Ao mesmo tempo que se apresenta como a única sociedade segura para a comunidade LGBTIQ+ no Médio Oriente, Israel exerce violência, chantagem e vigilância sistemática contra pessoas queer na Palestina, instrumentalizando a sexualidade como arma de ocupação.
A jornalista Theia Chatelle, num artigo para o Drop Site, revelou numerosos casos de pessoas queer na Cisjordânia que foram espiadas por agências de segurança israelitas como o Shin Bet e a Unidade 8200, e depois chantageadas, através de aplicações como o Grindr, para se tornarem informadoras. Sob ameaça física e de revelação da sua identidade sexual às suas comunidades, foram forçadas a fornecer informação sobre activistas ou pessoas do seu círculo.
Na Palestina, a lei não criminaliza a homossexualidade, mas socialmente continua a ser um tabu. Já em 2013, a Vice noticiou que a Autoridade Palestiniana actuava sob a direcção do exército israelita para chantagear pessoas LGBTIQ+, com o mesmo procedimento. Organizações queer palestinianas como a Al Qaws condenaram estas práticas como parte integrante do sistema colonial e opressivo que Israel impõe sobre a Palestina.
Ao mesmo tempo, milhares de pessoas queer palestinianas vivem em Telavive em condições precárias, sem direitos nem protecção legal, presas entre a homofobia social do seu meio de origem e o racismo e homofobia institucionais do Estado israelita.
Israel apropria-se do discurso LGBTIQ+ internacional enquanto utiliza as identidades queer como ferramenta de dominação colonial, numa estratégia racista de “pinkwashing” que pretende erguer-se como contraponto a uma Palestina acusada de homofóbica, que utiliza para justificar o genocídio.
AG
Nos meses de junho e julho deste ano 2025, assinalam-se e comemoram-se a independência de meio século de Libertação de 4 hediondos séculos de jugo colonial de alguns países africanos, então ocupados e colonizados pelo Reino e República Imperial Portuguesa (Moçambique, 25/06/1975; Cabo-Verde, 05/07/1975 e São Tomé e Príncipe, 12/07/1975).
Passados meio século da Libertação, estes países, para além das condicionantes do exercício de poder pelo humano e outras tantas mais condicionantes, nomeadamente da continuidade colonial nas suas diversas formas de se fazer persistir (mais ou menos subtil), debatem-se com o desafio da eficácia da construção e constituição de uma forma de organização política, em que a sua matriz assente na cosmovisão das suas comunidades. O ideal de Libertação que guiou os seus povos constatou o corte que a presença europeia em boa parte foi forçando neste aspecto, e inconformado com esse esforço de separação, calibrou-se dele e projectou uma sociedade que se construiria e constituir-se-ia com base na especificidade e particularidade no modo de ver e estar no mundo e na vida. A verdade é que o passar dos anos, a par da de todas as ingerências internas e externas, fê-lo esmorecer. O economismo dominante, que submete o mundo e os seus recursos à exploração frenética em benefício de uma minoria, hoje vinga e molda a orientação e o modo de estar, não só das estruturas políticas enxertadas que aí governam, como a perspectiva das suas gentes, procurando instalar uma visão invertida do humano, que primazia a quantidade sobre a qualidade, o ter sobre o ser.
O desafio premente hoje, das comunidades-Estado libertas a meio século do jugo colonial, ponta de lança do Capitalismo, assim como de todas outras com passado e presente colonial, talvez seja, em primeiro passo, o de resgatar e ou reconectar-se com a sua cosmovisão, capaz de orientar a sua fixação no mundo, de emanar princípios da sua relação com a vida, consigo e com outros, e descobrir, na validade dessa outra visão de mundo, formas de afirmar sociedades cuja construção e prosperidade se estabeleça na autenticidade e independência do humano.
Na actualidade, de algum modo, no curso dos últimos acontecimentos, sobretudo a nível institucional e de algum discurso, é esse o desafio que estão a enfrentar em alguns países do chamado Sahel (região que separa o deserto do Saara das florestas tropicais da África subsaariana, que o Atlântico ao Mar Vermelho), mais concretamente no Sahel Ociental, nomeadamente no Mali, o Burkina Faso e o Níger.
O governo destes três países iniciou, nos últimos três anos, processos de transformação institucional, política e económica que se estão a distanciar da ingerência e influência do sempre persistente estado imperial e colonial francês, que colonizou a região anteriormente. Estes três países, abandonaram a Comunidade de Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CDEAO), por considerarem-na subserviente e subordinada aos interesses das potências imperiais e fundaram, em 2023, uma Organização regional - Aliança dos Estados do Sahel (AES).
O novo governo do Mali, nacionalizou as minas de ouro. No Burkina Faso, o novo governo resultante de uma junta militar com apoio popular, expulsou em Setembro de 2022, as tropas francesas presentes no país, assim como nacionalizou as minas, criou bancos públicos e preparou medidas para se desvincular da moeda colonial francesa, franco CFA. O governo tem reivindicado a tradição anti-imperialista e anticolonial de figuras históricas do pan-africanismo, como Thomas Sankara, de Burkina, e Patrice Lumumba, do Congo.
No Níger, fornecedor da maior parte da do urânio consumido em França, as medidas adoptadas têm semelhante a dos parceiros da Aliança.
Os governos destes três países, com todas as contradições, talvez estejam a dizer, que a hora talvez seja esta, a de que de novo o espírito do passado, sempre presente, de plenificar a vida, guie a marcha das comunidades a um alvorecer que em que seus mundos caibam e tenham lugar nas suas terras.
Carlos Rafael Teixeira
Eu não sei onde o tempo que me corresponde como um direito a sentir está.
Repito.
Eu não sei onde o tempo em que eu tenho permissão para sentir está.
Imersa em obstáculos, eu mais uma vez percebo que preciso ser um vazio para conseguir progredir.
Burocracia, Finanças, Emprego, e a IMENSA necessidade de ser desejada me deixam sem lugar para ser.
Para sentir.
Para escutar os mais profundos sinais da minha depressão.
Para realmente encarar o chamado do que quer que esteja dentro de mim. Eu não ouso nomeá-lo.
Eu não ouso.
Se eu ousar, vou ter que conhecer por um segundo a emoção profunda de uma alma perdida.
E eu não tenho tempo.
Eu lamento.
Ter tempo é tudo que eu quero agora.
Os nós nas minhas costas não têm tempo para serem desfeitos.
Meu maxilar não tem tempo para se destravar.
Meu corpo não tem tempo para a febre que insiste em vir todo dia desde que a cafeína virou uma das pedras fundamentais dessa nova maratona.
Cada respiração, cada negligência que cometo é uma mistura de maus hábitos e a reunião de forças para alcançar o TEMPO.
Tempo para respirar.
Para silenciosamente me escutar enquanto lentamente abro meu coração e minha alma para mim de novo.
Para respeitar meu lento amadurecimento e tomada de consciência.
E eu me convenço mais uma vez de que todo o esforço vai me dar o espaço e as condições básicas que eu preciso para florescer.
Eu vou prosperar
Eu vou
(mas não sem isso, no entanto)
Eu vivo. Eu morro. Eu vivo de novo.
Eu vivo. Eu morro. Eu vivo de novo.
Eu vivo. Eu morro. Eu vivo de novo.
Até que eu aprendo.
E dessa vez eu vou aprender.
Eu vou.
Só com base no princípio de que a insustentabilidade desse movimento vai ou me matar ou me erguer.
Os nós nas minhas costas estão mais pesados.
O maxilar não lembra o que destravado significa.
A alma está aceitando que nem toda companhia é uma companhia quando a presença é uma ausência e leva toda a energia que me resta.
Eu não quero morrer querendo viver.
Eu não vou morrer querendo viver.
Eu vou viver e então vou morrer.
Eu vou viver e então vou morrer.
Eu vou morrer vivendo.
Eu preciso do Tempo.
Eu vou ter o Tempo.
Eu mereço o Tempo.
É uma promessa.
Brunna Lopes

As “seis da Suiza” entraram no dia 10 de julho na prisão, condenadas por fazer sindicalismo, por defender uma trabalhadora com uma gravidez de risco que tinha denunciado assédio laboral e sexual no seu posto de trabalho na pastelaria La Suiza, na cidade asturiana de Gijón.
Sobre as acusadas pesam duas condenações: uma de dois anos de prisão pelo crime de coacção grave e outra de um ano e seis meses adicionais por um crime contra a administração da justiça, pelas condenadas terem tentado chegar a um acordo com o empresário. O juiz considerou que reunir-se à porta de um negócio para informar os potenciais clientes sobre as condições laborais constitui coacção, passível de uma indemnização de 125.428 euros e de dois anos de prisão. O pedido de suspensão da pena de prisão foi indeferido, além do mais, porque o juiz de turno considerou que não existia arrependimento por parte das condenadas, por ter sido o sindicato CNT a pagar a indemnização ao empresário. Esta decisão foi tomada contra o posicionamento da defesa e do Ministério Público, que não se opunham à suspensão da pena de prisão.
Após uma semana na prisão, e devido às mobilizações populares em várias cidades espanholas, foi-lhes concedido o regime prisional aberto, embora continuem condenadas e tenham de ir dormir todos os dias à prisão. O empresário voltou a abrir a pastelaria em Oviedo, depois de justificar que as acções sindicais da CNT o obrigaram a transferir o negócio devido às perdas causadas, quando está demonstrado que o local onde se encontrava a pastelaria estava já à venda quase um ano antes dos factos ocorrerem.
RGB



Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística do Reino de Espanha para o ano de 2023, os trabalhadores estrangeiros ganharam, em média, cerca de 33% menos que os trabalhadores espanhóis. Não é difícil explicar esta situação: muitos imigrantes trabalham em sectores menos qualificados e com piores condições laborais. Um estudo de 2024 da Fundación de Estudios de Economía Aplicada (Fedea), por Raquel Carrasco, reconhece ainda que os trabalhadores imigrantes não fazem baixar a média salarial no seu todo.
Torna-se evidente, então, que certos sectores mantêm baixos salários porque se aproveitam de uma população geralmente com poucos estudos e disponível para trabalhar por baixos salários, seja estrangeira ou não. O problema é que estes dados não incluem os salários dos imigrantes ilegais e as médias salariais podem ser ainda mais baixas.De acordo com a Lusa, uma empresa de construção civil na zona do Seixal, em Portugal, preferia contratar imigrantes ilegais porque assim podia pagar menos que o salário mínimo. Além disto, “não pagavam períodos de férias, subsídios de férias ou de Natal, nem o trabalho suplementar”, aumentando os seus lucros. E podiam fazer isto pela simples razão destes trabalhadores não terem uma determinada nacionalidade ou visto de residência. Se estas empresas preferem contratar imigrantes ilegais, é porque assim podem fazer mais dinheiro.
Faz isto algum sentido? Porque é que o dinheiro pode circular livremente entre países mas as pessoas estão presas pelas fronteiras? Se toda a gente pudesse viver livremente em qualquer país, as empresas iam ser obrigadas a aumentar os salários para toda a gente. Não é admissível que um trabalhador não possa recorrer à inspecção do trabalho com medo de ser deportado. Quem ganha são os patrões!
A partir de dados de Abril de 2025, é possível afirmar que morreram mais jornalistas em Gaza desde Outubro de 2023 do que em ambas as Guerras Mundiais e as guerras da Coreia, Vietnam, Jugoslávia, Afeganistão e Ucrânia, todas juntas. É um artigo do projecto Costs of War, do Instituto Watson para os Assuntos Públicos e Internacionais, que o diz: 232 jornalistas mortos em Gaza no último ano e meio.
Israel não autoriza quase nenhum jornalista estrangeiro a ir a Gaza. Além disso, e segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, existem evidências explícitas que permitem confirmar o envolvimento directo das forças armadas israelitas no assassinato de pelo menos 35 jornalistas. Também estão a impedir que a ajuda humanitária chegue a Gaza e a reprimir, com a ajuda do governo do Egipto, a Marcha Global a Gaza. Se os relatos e imagens que nos chegam são tantos e são já insuportáveis, podemos sequer imaginar o que está a ser escondido com tanta força? É urgente, de uma vez por todas, parar o genocídio!

— Um dilema... — respondeu o padre, de novo levando a mão à cabeça, surpreendido pela viragem abrupta. — E que dilema é esse, se me permite?
— Não sei... — continuou Pedro, em dúvida, — não sei se lhe posso contar tudo. Mas é uma escolha. Tenho de fazer uma escolha, e não sei como a fazer, como agir. Imagine ter de escolher entre, digamos, esta igreja e a vida de quem a frequenta ao domingo... — tentou explicar-se Pedro de voz tremente.
O padre, ainda de mão na cabeça, um gesto que surpreendia Pedro por estar habituado a maior estoicismo por parte de homens em posições de autoridade, fixou aqueles olhos claros no rapaz. Depois, olhou à volta, certificando-se de que ninguém os ouvia, e disse:
— Pedro, não precisa de me contar tudo, está bem? Mas não sei se o entendi bem. Pode-me falar mais desse tal dilema?
— Não lhe posso contar tudo, lamento. Mas posso dizer-lhe que é uma escolha entre, por um lado, servir a nossa pátria, o Estado que cuida de todos nós, e por outro uma pessoa de bem, que se preocupa pelos outros, que nada fez de mal e não merece ser magoada.
Aquelas palavras tiveram uma saliência especial para o padre que, ouvindo o relato de Pedro, ia preparando o seu discurso. E assim se lançou em mais uma sermão:
— Pedro, como lhe posso explicar? Vivemos em tempos em que a nação está acima de tudo, em que respiramos a pátria e lutamos por ela até no Ultramar. A sua alma tem de estar alinhada com o sucesso da pátria, da nação, sempre... — recitou o padre Jerónimo, como se de um ave-maria se tratasse.
Mas o padre parecia querer dizer algo mais. Olhou mais uma vez à sua volta, respirou fundo, e continuou:
— Enfim... mas digo-lhe também que o bem e o mal não pertencem só à pátria nem ao estado. O bem e o mal estão nas nossas escolhas, e o Pedro, tal como os outros homens, tem a possibilidade de querer e fazer o bem. E mesmo que a pátria nos queira bem, o bem da pátria nem sempre corresponde ao amor, à caridade, ao cuidado pelo outro.
Pedro ouvia-o, cada vez mais atento, como que à espera de uma única palavra mágica que desbloqueasse e resolvesse a situação. O padre Jerónimo, pelo seu lado, não abrandava no sermão. De facto, com o passar dos anos o padre começara cada vez mais a pregar aquilo em que acreditava do fundo do seu ser – a seguir as suas intuições morais, por assim dizer – e a preocupar-se menos com o que as hierarquias eclesiásticas e terrenas esperavam dele. Interessava-lhe, acima de tudo, o bem-estar do próximo. Sentia que era essa a modesta missão que a Providência lhe inculcara. E para a cumprir inspirava-se sobretudo no Novo Testamento, que tinha para ele um valor pessoal que nenhuma doutrina da Igreja conseguia exprimir.
Continuou então:
— Segundo Mateus, Jesus manda-nos dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E quando os Césares, por força das circunstâncias, atiram para a prisão os que desrespeitam a lei deste mundo, os castigados não têm para onde virar-se senão para a misericórdia do nosso Senhor. Em última instância – e isto, por assim dizer, fica entre nós – não são os papas, patriarcas, cardinais ou padres, nem os imperadores, reis, presidentes ou duques ungidos que regem o bem. Eles regem as almas e a terra durante o século, o tempo que resta, até que este se esgote; gerem e providenciam a humanidade contra os males que ela própria cria, criando por vezes eles mesmos esses males. Mas em última instância é o Cristo o nosso soberano; é Ele o Quebrador da Lei, a esperança dos últimos, a figura dos desfigurados. É com esse conhecimento que Paulo disse aos Coríntios que aceitaria com prazer insultos e privações, perseguições e aflições, e que seria na fraqueza que encontraria a sua força. Que não haja dúvida de que todos – reis ou escravos, colonos ou indígenas – serão iguais perante Ele quando chegar o fim dos tempos; quer no bem que fizeram, quer no mal que cometeram.
Aí o padre Jerónimo, até então pronunciando as palavras com uma confiança triunfante, interrompeu-se e calou-se. Passou mais um curto momento de silêncio enquanto o padre respirava fundo e se estabilizava. Desenhava- -se agora uma gota de suor numa das têmporas do padre, enquanto no rosto de Pedro se erguia um leve sorriso no canto da boca.
— Perdoe-me, Pedro, perdi-me um pouco, talvez — retomou o padre, apoiando-se num dos bancos. — O que quero dizer, Pedro, é que a resposta está no seu coração. Oiça a sabedoria que a sua alma possui, dir--lhe-á mais do que qualquer raciocínio meu.
O fardo que Pedro carregara até então parecia aligeirar-se. Alguma coisa nas palavras do padre lhe causara uma profunda satisfação e parecia oferecer-lhe a paz que procurava. O padre Jerónimo sempre fora mais amável do que os outros, que atormentavam os camponeses com histórias sobre o inferno e o castigo divino. Segundo o padre Jerónimo, o inferno era apenas um lugar nas cabeças dos homens, uma má disposição, um ódio ao outro que tinha de ser resguardado. Todo o ser livre e falível podia sucumbir ao inferno. O mais importante, para o padre, era procurar a redenção. Reinava outra vez o silêncio. As últimas palavras do padre pareciam ter acalmado os ânimos.
— Padre Jerónimo...— continuou Pedro, interrompendo o silêncio e tentando fechar o assunto — isso que acaba de dizer aplica-se à minha situação, à nossa nação? E o que me diria se eu escolhesse a nação não por respeito a ela, mas porque ela me poder ajudar, a mim e à minha família? Será que posso sacrificar outra vida para o meu bem?
O padre digeriu longamente as palavras antes de responder.
— Eu já disse o suficiente. O Pedro fará a escolha certa. Se tiver dúvidas entre servir um estado transiente ou o bem permanente, a sua alma saberá como responder. Lembre-se que o Reino Dele não é deste mundo, mas o que fazemos no mundo afecta o nosso futuro nesse Reino.
Esboçou-se outro sorriso nos lábios de Pedro.
— Confesso que sempre o subestimei, padre— respondeu Pedro, satisfeito. — Para lhe dizer a verdade, havia famílias na aldeia que o temiam um pouco, tinham medo de se confessar, que contasse algo à polícia, não sei. Afinal, a igreja tem tanto apoio das autoridades públicas, pelo que os medos sempre me pareceram justificados, mesmo sendo o padre uma pessoa amável e pronta a ajudar qualquer alma em necessidade.
(...continuará no próximo fascículo.)
Segundo um estudo da Universidade de Compostela publicado na Gaceta Sanitaria, o consumo de hipnossedativos triplicou desde 2005. Este tipo de medicamentos é geralmente receitado para a insónia e a ansiedade e existe uma tendência global para o aumento do seu consumo. Segundo o mesmo estudo, o consumo é 65% maior em mulheres; e uma das principais razões apontadas é a diferença de tratamento entre homens e mulheres por parte do pessoal médico e não uma diferença biológica: os aspectos psicológicos são mais tidos em conta nas mulheres e os aspectos fisiológicos nos homens.
O sono é uma parte fundamental do nosso bem-estar mental e cada vez mais gente recorre aos serviços médicos por insónias. Mas será esta a abordagem correcta? Geralmente, quando se trata saúde mental, o pessoal médico pressiona os pacientes a adaptarem-se à sociedade e existe cada vez mais uma cultura de tratar tudo com medicamentos. Mas, na verdade, os seres humanos dividiram o seu sono em duas partes até ao início do capitalismo. O historiador A. Roger Ekirch, no seu livro “At Day's Close: Night in Times Past”, recupera os nossos hábitos antes do capitalismo. Era usual dividir o sono em duas etapas, ficando acordado durante algumas horas durante a noite para ler, comer ou fazer sexo. No fundo, até as funções biológicas precisam de ser contextualizadas com o período histórico. Dormir 8 horas seguidas não é “natural” nem deixa de ser.
Mas como é que é possível ter este tempo todo para descansar se todos os dias temos que ir trabalhar tão cedo? O problema não se resolve com medicamentos mas sim com o fim destes trabalhos inúteis! Não existem já recursos mais que suficientes para podermos viver em paz e em harmonia com a natureza, para podermos brincar e descansar com mais tempo? O problema é mesmo não termos tempo para nada!
Costumamos dizer que o dinheiro não é tudo. Mas, na hora da verdade, são poucas as pessoas que escolhem viver as suas paixões. É impossível ser livre sozinho, é certo. Mas também é certo que é preciso aproveitar os minúsculos momentos de autonomia a que por vezes temos acesso, aqueles momentos da vida em que podemos gritar que valeu mesmo a pena, aconteça o que acontecer. É por isso que fizemos esta entrevista, para que continuemos a sonhar, em conjunto, com uma vida diferente para toda a gente. Entrevistámos um amigo nosso, que decidiu não sucumbir ao ouro de tolo, àquela vida chata que por vezes vivemos sem sequer nos darmos conta. E aprendemos com ele.
p.: Estudaste economia e, durante os primeiros anos da tua vida laboral, tiveste trabalhos nessa área. O que é que te fez ir para esse curso? E o que te fez continuar e acabá-lo?
r.: Estudei economia porque gostava de política. Na altura pareceu-me o curso que mais se enquadrava. Rapidamente entendi que o curso nada tinha a ver com o que imaginava na minha cabeça, que era economia política. Acabei por continuar o curso porque sabia que abria muitas portas no mercado laboral e, na altura, não tinha ideia do que queria fazer. Não tinha maturidade nem confiança suficiente para me virar para outro lado. Deixei só a vida correr.
p.: E quais foram as tuas primeiras experiências laborais, relacionadas com o teu curso?
r.: Trabalhei em duas associações patronais, que apesar de serem de um espetro oposto ao meu em termos políticos, pelo menos tinham algo de político em que podia utilizar os conhecimentos que tinha de economia. Sabia desde o primeiro momento que não ia passar lá muito tempo, mas achei que podia abrir portas para outros trabalhos.
p.: Como é que se desenvolveu a tua rejeição a esse ambiente? Começaste logo a pensar em alternativas?
r.: A rejeição não começa logo no início, tendo em conta que na altura estava só contente por ter um trabalho. Tinha uma visão muito de miúdo em relação ao trabalho, para mim ter algum dinheiro e vestir um fato todos os dias chegou-me nos primeiros tempos para me sentir bem. Claro que não durou muito e ao fim 2 anos deixei esse trabalho para ficar a escrever a tese de mestrado.
p.: Como é que surgiu a ideia da carpintaria, então?
r. Surgiu numa fase em que me despedi do último trabalho e não sabia o que ia fazer. Estava num momento de grande crise existencial, em que via a vida a passar-me ao lado. Foi o momento mais decisivo da minha vida até hoje. Sinto que foi quando deixei de ser um jovem para ser um homem. Até aí nunca tinha realmente levado a vida muito a sério e entendi que a minha maturidade era muito mais superficial do que achava.
Foi o momento em que despertei para a realidade: ninguém ia resolver a minha vida por mim. Não podia ser passivo e andar de trabalho em trabalho, com medo. Tinha de ser mais revolucionário na forma como vivia. Não foi uma ideia óbvia, a da carpintaria / marcenaria. Pensei em ser programador, analista de dados…ainda muito preso ao paradigma anterior, de trabalho de secretária com emprego garantido e algum status social. Tudo opções que ainda revelavam imensa falta de confiança para arriscar a sério.
p.: O teu desejo, ao começar neste novo sector, era recuperar uma certa arte perdida? Ou olhas para a carpintaria como uma arte adaptada ao presente, incluída nas correntes artísticas do presente?
r.: Uma das coisas que mais me fascinava nesta área era o orgulho que havia nos profissionais e a relação de mestre e aprendiz. Havia alguma coisa nesse lado humano de passagem de testemunho que achava muito potente e raro. É uma coisa que ainda hoje me emociona. Posso dizer que nas duas oficinas em que trabalhei houve sempre uma relação desse tipo, mais ou menos forte.
Estou muito grato por ter tido pessoas que estiveram disponíveis para me ensinar quando não sabia praticamente nada do que estava a fazer.
p.: Por último, sentes que as encomendas que vais realizando, são obras tuas? Tens tempo para a criação artística?
r.: Ainda não são. Ainda me falta muito para lá chegar, mas julgo que vai ser esse o caminho.
Fazia muitos anos desde que abandonei a fé. Apesar de ter crescido ferrenhamente sendo católica apostólica romana, do tipo de criança que, não só ia à missa como também participava lendo a homilia e dedicando todo o meu ser ao cristianismo, ou melhor, a ser ferramenta de Cristo, eu abandonei não só todos os dogmas mas também toda a fé que havia cultivado durante a infância.
A abandonei quando ela parecia ter me levado por caminhos tão confusos e tão doídos que me parecia impossível discernir.
Preferi seguir o caminho da lógica, da estatística, da razão pelas seguintes décadas.
Foi em um dos momentos mais difíceis da minha pequena vida, que entendi porque e como a fé existe. Quando em 2023, fiquei sem casa, sem trabalho, sem amor, sem perspectivas de um futuro palpável e a incontáveis quilômetros de um colo familiar, vi que naquele momento eu poderia finalmente me entregar ao fim. Parecia que não havia mais nada ao que me apegar. Apesar de parecer que as alternativas que eu tinha não me levariam a nada, eu já não queria morrer. Alguma coisa estava viva em mim.
Segui tentando sobreviver, eu, que até então tinha chegado até aqui imersa em meu pessimismo, ansiedade, depressão e busca por diagnósticos que justificassem a minha pouca vontade de viver, me dei conta do que todo coração obreiro latente se dá conta: Não há volta atrás. Para querer morrer você tem que viver antes, e eu já não tinha uma vida para negar. Meu espírito precisava encontrar um caminho por onde dar meus primeiros passos. Depois de inúmeras tentativas de me estabilizar, que me deixaram mais cansada que contente, em algum lugar do meu ser, a fé começou a se manifestar.
Recolhendo os cacos que deixei espalhados dentro de mim, vi que a ausência de raízes em meus pés, por mais angustiante que fosse, também me permitia sonhar e ter esperanças. Quando o único caminho é seguir adiante é a fé que nos mantém aqui. Como um pequeno feixe de luz, ela veio adentrando meu ser cético e iluminando meu coração cansado para um futuro palpável.
Uma ideia, uma possibilidade, um golpe de sorte, pequenos milagres e amigos queridos me sustentaram.
A fé dessa vez não veio vestida de dogmas religiosos, mas em um aspecto real e ordinário. Ela estava ali presente nas vidas que eu observava ao redor. Famílias migrantes que trilham seus caminhos enfrentando adversidades enquanto mantém a chama acesa da esperança de reencontrar seres amados muitas vezes em outros continentes, amigos que entraram em situações burocráticas e econômicas complicadas mas que seguiam dedicando todo o seu ser em estarem prontos para um futuro auspicioso ou colegas de trabalho que em meio ao caos do atualidade individualista seguem crendo que só o amor e a união nos fará crescer como sociedade.
Entretanto, não me separei da fé espiritual, na verdade, entendi que ela junto com a fé no potencial real da vida podia me levantar para finalmente conquistar meu lugar no mundo.
Tive medo de pecar e trair a minha razão, quando me voltei para a espiritualidade, mas encontrei nela o conforto de que algo, alguém ou simplesmente a aleatoriedade da vida pudesse agir ao meu favor e assim compreendi que essa mistura entre a realidade bruta e etérea sustenta a mão de obra trabalhadora por milênios.
Cada ser escolhe buscar o conforto necessário para seguir onde lhe parece ter sentido mesmo que isso desafie a lógica e a razão.
O genocídio em curso na Palestina, às mãos do terrorista Estado de Israel, matou já entre 150 e 200 mil pessoas. São estes os dados do jornal médico “The Lancet”, lançados em julho de 2024. À época, estimavam-se cerca de 37 mil mortes, pelo números oficiais. Por cada morte directa, afirmam, estimam-se outras quatro indirectas. Esta é uma estimativa muito conservadora: de acordo com um relatório de 2008 da Declaração de Genebra sobre Violência Armada e Desenvolvimento, em cenários de guerra as mortes indirectas podem exceder até 15 vezes os números oficiais. O presidente da ONG Médicos do Mundo confirma que a estimativa de 4 mortes indirectas por cada morte directa é correcta.
O que fazem os nossos governos perante este genocídio? Negoceiam armas com Israel. O governo português já proibiu, em Junho de 2024, a exportação de armas para Israel mas continua a ser um importador, financiando a máquina de guerra israelita (um dos mais recentes contratos foi celebrado em Novembro). O governo espanhol, por outro lado, continua a autorizar a compra e a venda de armas com Israel. O portal governamental DataComex comprova-o. E qual é o lema que Israel usa para vender as suas armas? “Testado em combate”... É urgente acabar com o comércio de armas com Israel!
A situação sanitária nas prisões espanholas é cada vez mais insustentável. Para a população reclusa, formada por mais de 50 mil pessoas, existem menos de 200 médicos disponíveis. Os últimos dados são de 2023, do relatório da Secretaria Geral das Instituições Penitenciárias: há 169 médicos e 31 subdiretores ou chefes de serviço médico para toda a população reclusa.
De acordo com um relatório do Portal da Transparência sobre a Relação de Quadros de Pessoal do Ministério do Interior, de 2025, não deveria ser assim. Existem 467 vagas para médicos, 25 vagas para chefes de serviço médico e 45 para subdiretores de serviços médicos que não se cobrem porque não há pessoas candidatas e porque não se melhoram as condições salariais e laborais do pessoal médico, que está sujeito a um regime diferente do da saúde pública. O rácio entre médicos e reclusos é aproximadamente metade do da população em geral.
Em Portugal, a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso identifica problemas semelhantes deste lado da fronteira e propõe uma amnistia de alguns anos para todas as pessoas que estejam presas, dada a falta de condições nas prisões. Se a situação da saúde nas prisões melhora, toda a saúde pública sairá a ganhar; e se deixarmos de depender tanto do castigo como método, também a nossa vida podia ser outra, em liberdade.
Antes de ser mãe — e quando digo isto é mesmo até parir — tinha a certeza que es filhes é que têm de se adaptar à vida des adultes, que esta deve permanecer imutável e orientada para o trabalho, que o trabalho é o centro da vida, que o trabalho é a fonte de satisfação e concretização e o resto é adereço, pode ser fixe mas é adereço, há hobbies se sobrar tempo depois do trabalho. Contava e esperava com um regresso ao trabalho pelos 6/7 meses (salvaguardando os 6 meses de amamentação exclusiva que entretanto aos 2 meses já tinham ido pelo cano abaixo à conta da formula que tive de juntar por causa do freio curto que não foi detectado na maternidade) e voltei aos 9 a contragosto.
Criticava ferozmente es pais e mães que ousavam sair de um jantar porque es filhes estavam desconfortáveis ou com sono, que insolência, má-criação, pais reféns de um simples bebé. Achava que amamentação era só comida e que tinha horário e data de término. Os pais não podem ceder, senão es crianças e bebés manipulam porque são manhoses (e já agora se fosse mesmo verdade, manipular para nos ter por perto é assim tão mau?), não se pode ceder, assumir um engano, pedir desculpas, es pais têm de ser superiores aos filhes e só assim es podem proteger, com autoridade e hierarquia e aqui, implicitamente, está também o medo.
Os bebés dormem na sua cama, no seu quarto e ok, podemos tolerar que se partilhe o quarto uns mesitos, mas coisa pouca e só por causa do síndrome de morte súbita, têm de aprender a dormir no seu quarto e só assim serão independente, e, sobretudo, isto é para o bem da criança
Tinha a certeza de tudo isto. Nem foram necessariamente coisas que me disseram, foram coisas que fui absorvendo por viver numa sociedade adultocêntrica e que valoriza em primeiro lugar a produtividade laboral.
Estava profundamente errada.
E isso lixou-me um bocado o esquema.
O cordão é muitíssimo importante porque a maternidade não pode continuar envolta no mesmo secretismo que a maçonaria. A vida des bebés e des pais e mães seria substancialmente mais fácil se não se descobrisse tudo à força e em pleno pós-parto, ficamos sem chão assim quando precisamos é de colo.
É importante não esquecer que somos mamíferos e que há certas coisas que são inerentes à espécie, apesar da recente (para o ser humano) industrialização e do capitalismo e do apagar sistemático do instinto. Es bebés, dá-se o caso de não saberem que estão a nascer no século XXI e que es adultes vivem em prédios e trabalham 8h por dia 5 dias por semana (na melhor das hipóteses) e que há vários costumes que se foram instituindo (abolição do quarto familiar, alguma obsessão com as aparências, comida como recompensa, toda a acção deve gerar produtividade mensurável, o ócio não é para aqui chamado).
Mas há coisas que sabem e muito bem, sabe é que é um ser humano e que precisa do cuidado constante de cuidadores, às vezes porque tem fome, outras porque tem sono, outras porque tem sede, outras porque tem xixi e (muitas) outras só porque sim porque não faz bem ideia do que é que anda aqui a fazer.
O problema é que para es cuidadores estarem física e mentalmente disponíveis para o seu bebé, precisam de apoio na retaguarda — a tal da rede de apoio! — porque é fundamental cuidar de quem cuida e o que queremos não é andar à tona, queremos tudo bolas!, queremos estar mesmo bem e a curtir e estar disponíveis.
É preciso um apoio estruturado às recém famílias e – digo-o com todo o carinho – eu pastéis serão com certeza mais apreciados que um babygrow. Eu sei bem quais os melhores presentes que recebi na gravidez e pós-parto: travessas de arroz de pato e bacalhau, pastéis, sopas variadas e maravilhosas, ajuda em casa, tirar a louça da máquina ou fazer máquinas de roupa e também festinhas, o bom do cafuné.
Sinto que há uma cegueira que só deixa ver es bebés como nenucos fofos e inúteis incapazes, e por muito inocente e amoroso que isso seja eu não posso deixar de sentir que lhes retira a humanidade e consequentemente a imprevisibilidade, a complexidade e a multitude de necessidades e portanto uma pessoa fica sem saber o que fazer quando um bebé chora porque precisa somente de colo e afecto, porque de alguma forma rebuscada na sociedade contemporânea o colo acabou sendo excluído das necessidades de um bebé, se choram ou é sono, ou fome, ou fralda, ficou de fora o afecto.
E é por isso que tenho a maior felicidade em ter mudado tanto e em ser a pessoa que mais contrario na minha forma de maternar. Agora é assim, amanhã não sei, seguimos saltando de fase em fase, nada é eterno e imutável, a não ser o colo, colo sempre para sempre.
Quando ouvimos os jornalistas e comentadores falar na “bolha politico-mediática” não podemos deixar de esboçar um sorriso: estarão eles a falar de fora sobre si próprios ou simplesmente a reproduzir essa mesma bolha, imaginando-a a partir de um ponto de vista impossível? Não é claro se estamos perante filósofos cartesianos ou wittgensteinianos: o sujeito é um ponto exterior ao próprio mundo que observa, ou, pelo contrário, observa-se a si próprio como um dos elementos do mundo? Mas de onde olha então o comentador para si próprio? Fica a dúvida no ar.
O que é certo é que esta bolha tem propriedades isolantes graves. A aderência à realidade é ténue, escorregando em vídeos virais que mostram que para muitos destes comentadores Portugal não é muito mais do que Paço de Arcos. O seu papel ilustre já não brilha, já não se ouve o seu vibratto. Queixam-se do povo, queixam-se da falta de leitura. Mas será verdade? Ou serão eles que já não são lidos? Como estações que dantes cruzavam mundos e vidas e que hoje não passam de meros apeadeiros. Talvez o mundo tenha corrido, seguido em frente, e o Portugal dos pequeninos já não seja tão pequenino assim. Mas o seu mundo ficou mais pequeno, tão pequeno que hoje se resume a uma mesa oval num estúdio.
Muitas questões surgem quando vivemos num sítio tão abafado. Não percebemos as correntes, não viajamos nos mesmos barcos, não sentimos os mesmos enjoos. Ficamos presos num pequeno mundo de ilusões altamente privilegiadas. Quando Mem Martins bate à porta, espantamo-nos com o seu sucesso. Talvez nunca tenhamos lá passado e por isso o ressentimento permaneça um mistério dos incultos. Mas quem é inculto nesta dialética? Também não ouvimos recitais de Homero nem discussões metafísicas nos vários eixos televisivos, nem ouvimos opiniões que ofereçam algo de novo ou diferente do que outros já disseram no seu lugar. O vazio é tão grande quanto o vazio que acham encontrar no povo. É proporcional à sua ignorância.
Cultivam-se políticos a partir destes viveiros de marketing. Constroem-se narrativas a partir de trocadilhos, esquecendo a memória e a substância. Afastam-se opiniões que embaracem os convidados e os investidores, conseguindo com isso apenas afastar também todos os que não vivem refrescados pelo ar condicionado. Existe um país a gritar que não chega ao silêncio dos media. Uma mordaça que não cala, simplesmente desvia o ressentimento para quem tem explicações fáceis e conspirativas. Queixam-se da crise da mediação da informação, mas não foi o povo o que inventou o TINA. Queixam-se das redes sociais, mas os próprios jornalistas procuram ser influencers. Uma mínuscula fatia da comunidade acha-se o centro, o padrão, o normal, cegando-se à realidade esmagadora de todos os que não circulam na mesma rua.
Portugal já não está em 1975. Não precisamos de espertos para explicar a realidade, nem queremos oráculos das 8 da noite. A alfabetização funcionou mesmo. O seu privilégio é construído na opressão material das oportunidades, dos circuitos informais, das amizades. A bolha politico-mediática não é mais do que a bolha do privilégio de quem goza do acesso ao poder, surda e cega perante o seu próprio país. Uma bolha construída pelos mesmos que agora se queixam dela, alimentada pelas suas sucessivas pseudo-autocríticas. Esquerda e direita já não conta quando nos tornamos no bobo da corte em horário nobre nem quando fazemos o número de ilha progressista num arquipélago neoliberal. Trata-se de uma bolha construída e reforçada para auto-reflexivamente anular a consciência da sua própria propaganda.
Felizmente, o país é mais do que uma redacção. Mais cedo ou mais tarde, aperceber-se-ão disso. Que mais não seja quando a roda do capital começar a engrenar e o Pai Estado for chamado a pagar as dívidas. O castelo de cartas não dura para sempre. Quando a realidade entrar em directo e a bolha rebentar, veremos de que lado estarão.
Esta noite, antes de me entregar ao sono, tentei me entregar a um desejo que jaz distante. Sempre tento despertá-lo com violência, submissão, voracidade.
E às vezes, para o fazer, tento me lembrar de você, de como estava disposta nos nossos encontros secretos a me entregar ao sabor e ao suor da carne, ao desejo sedicioso de exercer o papel da rendida, de dobrar os joelhos, de ser levada por aquela força que se transformava em um desejo descomunal quando você se afundava em mim.
Bem, mais de mim do que de você.
Porque era meu hedonismo que importava.
Era meu ímpeto que nos levava adiante.
Por mais que sempre implorasse docemente um por favor e por favor e mais um por favor com a intenção de que eu lhe rogasse para que me desse seus desejos, ao fim e ao cabo, eram apenas palavras usadas para lhe instruir sobre minhas ânsias.
Tentava construir em você o personagem concebido em minha cabeça e para isso me parecia que lhe dar essa ilusão de poder era mais fácil para alguém que sempre sonha com ele.
Ainda que fosse eu quem dominava, desejava constantemente que você espancasse a minha carne para libertar das formas mais sórdidas, meu ser.
E já misturados em delírios uivando no campo sem vizinhos, esquecia as penas diurnas e me tornava em seu succubus.
Agora separados por anos e países, nos resta pouca memória, muita saudade, algum ou outro objeto quebrado pela loucura que nos remete àqueles dias.
Esta noite, me pego rogando baixinho, com os olhos fechados, suspirando outra vez ao silêncio do meu quarto.
Por favor
Por favor
Por favor
E em fugazes cenas retrospectivas, vou implorando para que aquele desejo me convide novamente a atravessar a vida de alguém como atravessei a sua.
Me toca, me lambe, me morde, invade meu corpo até que minha alma seja expurgada para dentro de você, sobre você, sobre o universo.
Anseio pelo desejo, aquele desejo no bar, nas ruas desertas, na estrada, no seu carro, no seu campo, na sua piscina, nos seus braços, no seu fôlego quente ao pé do meu ouvido, no seu sexo.
Anseio por aquele desejo como força motriz.
No território espanhol, mais de 5 milhões de mulheres são cuidadoras não profissionais. Segundo o Instituto da Mulher, 8 em cada 10 mulheres desempenham trabalhos de cuidado sem receber qualquer remuneração pelo mesmo.
Quando colocamos números e estatísticas em realidades já conhecidas tornamo-las contundentes, inquestionáveis e até, conseguimos construir toda uma série de argumentos contra aquelas desinformações que procuram deitar abaixo estas verdades. Mas, por vezes, os argumentos, o activismo e até, as intenções de fazer este mundo mais amável para nós, não são suficientes para quem não quer entender ou perder o privilégio.
Como fazer ver quem não quer ver? A mim, para começar, ocorre-me incomodar. Sim, incomodar. Incomodar pode-se incomodar de muitas formas. Até pode chegar a ser uma arte. Sobretudo se nos focarmos em visualizar esses incómodos que nos ocorrem, para que se veja o como e o que sentimos. Não me interpretem mal — isto não é um apelo a la "V de Vendetta".
Lembro-me de uma infinidade de vezes em que me incomodava ver a minha amiga chorar de exaustão porque o marido era “incapaz” de acordar de madrugada para dar de comer ao filho. Lembro-me de que me incomodava muitíssimo ver como os meus tios no Natal comiam quentinhos nas suas cadeiras e a minha mãe, tias, avós e primas comiam de pé e lavavam a loiça ao mesmo tempo. Lembro-me do incrível e incómodo que era ter de justificar ao meu companheiro uma série de 15 razões de forma cuidadosa e respeitosa pelas que sinto que não sou valorizada na minha relação e que me respondesse com um: - “não sei o que te diga”, deixando-me outra série de 15 incertezas para gerir sozinha.
Lembro-me do incrivelmente incómodo que lhe parecia à minha mãe quando o meu pai não se lembrava de um único aniversário ou duma consulta da minha irmã mais nova. Lembro-me, agora mesmo, do incómodo que é ouvir como alguns homens pedem a mulheres femininas que saibam cuidar, como se a feminidade fosse uma só mulher protótipa e os cuidados devessem ser inerentes à feminidade.
Isto, nem mais nem menos, traduz-se em falta de cuidados. Uns cuidados com os quais as mulheres fomos educadas e socializadas, na sua generalidade, porque lembro-vos que 8 em cada 10 mulheres exercemos trabalhos de cuidados sem receber. E se lhe damos a volta, sim, há mulheres que não cuidam nem querem claro que há homens que cuidam mas nem se comparam em número.
Com este artigo não incito a dar-lhe a volta à questão e fazer o papel de vingadora. Este artigo fala de visibilizar as coisas incómodas e a ausência de quem cuida das que cuidam.
O que incomoda sacode-nos, faz-nos mudar de lugar ou de estado de espírito. E ocorre-me pensar que os cuidados vão muito além de fazer comida à tua criança ou lembrar o teu companheiro de tomar a medicação. Os cuidados são colectivos. Movem o mundo e não deveriam ser uma utopia nem relegados a percentagens. O problema que vejo aqui é que os cuidados normalizam-se nas mulheres e premeiam-se nos homens.
De acordo com a organização de defesa dos direitos das pessoas migrantes Caminando Fronteras, morreram 10.457 pessoas que tentavam chegar à costa espanhola, em 2024 apenas. Dessas, 9.757 morreram na rota do Atlântico, que ainda não deixou de ser um banho de sangue, séculos depois do início da escravatura moderna. A União Europeia fecha-se como uma fortaleza: ao invés de abrirmos as fronteiras a quem procura asilo e outra vida, preferimos que essas milhares de pessoas simplesmente morram diante dos nossos olhos e inércia.
Os governos europeus, sejam de esquerda ou de direita, apoiam estas políticas da morte. A UE orçamentou 11.5 mil milhões de euros, entre 2021 e 2027, para a FRONTEX, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira. Esta agência controla mais de 200 centros de detenção dentro das fronteiras da UE mas também faz acordos com os governos de vários países africanos e asiáticos, complacentes com a política racista da UE.
Destas 10.457 mortes, não sabemos os nomes mas sabemos os países de origem: Argélia, Bangladesh, Burundi, Burkina Faso, Camarões, Comores, República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné, Iraque, Mali, Mauritânia, Marrocos, Nigéria, Paquistão, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Síria, Tunísia e Iémen. Porque não acolher seres humanos, sejam eles donde forem?
Estados Unidos da América, China, Rússia, Índia, União Europeia, etc… Todas as grandes potências estão a comprar e/ou a produzir armas a um ritmo acentuado. O gasto militar a nível mundial chegou agora aos 2,46 biliões de dólares (1 bilião tem doze zeros…), de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Que negócio!
Esta escalada foi muito evidente na primeira década do século XXI, apesar do fim da Guerra Fria e da hegemonia dos Estados Unidos da América; e voltou em força a partir de 2017, num mundo mais dividido entre várias potências. Tenha o mundo uma, duas ou várias potências, qualquer desculpa serve aos senhores da guerra para o aumento do gasto militar. É por esta razão que cada vez mais se fala nas televisões e nos jornais na possibilidade de uma guerra inter-continental ou mundial.
Quem será a carne para os canhões destas guerras? Os filhos dos pobres, como sempre. Existe, no entanto, uma ferramenta disponível: a objeção de consciência ao serviço militar. Esta está consagrada na lei e pode ser requerida por motivos de consciência em razão de uma convicção de ordem religiosa, ética, moral, humanitária e/ou filosófica. Não poderão obrigar a combater nem a pegar em armas quem pedir a objeção de consciência. Está, portanto, nas nossas mãos exercer este direito e dizer, a alto e bom som: guerra? Não, obrigado!

Sempre que me perguntam de onde sou, sai-me responder com uma mistura entre orgulhosa, melancólica e agridoce: "Soy andaluza, soy de Cádi".
E como se de um gambozino albino se tratasse, as pessoas que se interessaram em adivinhar de opassos serão magicamente guiados para a vitória (a Nike não protagoniza esta campanha).
Sorte é não ter de emigrar porque na tua terra (aquela onde os senhoritos de Despeñaperros pa cima nos olham como se fôssemos Pokémon lendários) não há pão, poder e sorte.
A Andaluzia nunca teve sorte.
O sotaque, a nossa pátria, também não. Que sorte aquela tem quem não precisa de mudar a sua maneira de falar pa se encaixar e, mesmo que nos recusemos a modificá-la, sempre nos encontraremos com esse olhar de: -"Tu não és daqui, eh?"
Que sorte ter a tua mãe pertinho e a tua avó a desfiar a carne do puchero.
Que sorte quando a tua amiga te apanha à porta de casa para dar um giro pela praia, mas despacha-te qué preciso ajudar a pôr a mesa.
Que sorte sentires-te que estás em casa, olhar o entardecer e saber que amanhã o voltarás a ver do mesmo ponto cardeal.
Quem me dera a mim ter essa sorte.
O futuro está nas costas e o passado na nossa frente, diriam no linguarejar moderno de hoje, os Antigos da Antiguidade clássica, na sua sabedoria incalável.
A razão de assim ser, constataram, é que o futuro é-nos desconhecido, chegamos a ele andando e tateando de costas, ou, dito de outro modo, andamos em direcção a ele de costas e é assim que o vamos desvendando.
Já o passado, que se torna presente, está à nossa frente: já o atravessamos, trazemo-lo connosco, está em nós.
E porque somos os que esquecem, se esquecem, às vezes, não poucas, é preciso convocar o passado presente, que de algum modo enuncia o futuro porvir.
Nos fascículos que se seguem, parte deste pêndulo andará na senda deste entrelaçar entre estes dois tempos e modos, invitando a dimensão das suas (des)continuidades e possibilidade para que o espanto do agora e o que há-de vir, seja o espanto do mundo novo possível.
Porque é tão difícil começar do zero? Existe um conforto em tentar explicar o mundo com os livros que lemos ontem. Passa-se a responsabilidade para um passado longínquo de grandes pensadores a preto e branco. Mas essa tarefa também é nossa. Também nós temos de assumir o papel de construir as ferramentas que melhor respondem aos antagonismos do nosso tempo. É através da reconstrução das categorias que conseguimos redimir os erros cometidos nas tentativas anteriores. Jacques Lacan falava da cura psicanalítica como o ponto de chegada depois de “atravessada a fantasia”. O próprio Lacan fazia o paralelo entre a compreensão do inconsciente como antagonismo Real, o pináculo do processo de interpretação dos sonhos, e a crítica marxista da ideologia, a análise sintomática dos mecanismos do capitalismo. Comecemos, então, por aí.
Na nossa ideologia neoliberal, pós-moderna, desinteressada, cínica, tecnocrata, não pode haver espaço para a entrega comprometida. É precisamente aí que reside o nó górdio: ficar para sempre no limbo da (in)decisão racional, sem nunca exercer a liberdade de seguir um caminho até ao fim nem assumir as últimas consequências. Ou mesmo que se siga, é facilmente reversível caso um arrependimento de última hora nos faça virar para o lado contrário. O próprio rebobinar é hoje um serviço à disposição, isto quando não está já incluído no preço inicial. Tudo pode ser transacionado e revertido: tornámo-nos empreendedores do nosso Eu, em constante atualização e sempre prontos a seguir o novo nicho. Constrói-se a identidade através do mercado diário de máscaras geradas por algoritmos. A fluidez encaixa bem na transação. É a vitória final do homo-economicus. Para gaudio de muitos, ser de esquerda resume-se cada vez mais a comprar a marca certa.
Não será o confronto com este paradigma um dos passos necessários da tal travessia do deserto pelas ilusões da fantasia ideológica? Não será mesmo este o momento em que temos de beber a coca-cola para ver que já não está fresca? A compreensão dos antagonismos inerentes a esta forma de vida traz necessariamente a perda do seu poder de encanto. É, portanto, fundamental reconhecer esse passo.
Reconhecer a importância de cada um viver o vazio da reificação plástica na construção de si próprio. O reconhecimento deste vazio implica um confronto violento com os nossos desejos – com a sua forma, o seu objecto e a nossa imaginação. Tornarmo-nos livres dói. A rejeição por decreto ou, nos piores casos, a proibição, só levam ao reforço da jouissance, remetem-nos para um paradigma Mestre-Escravo e ilude-nos com a liberdade de escolha como o fim último da existência. Precisamos mesmo de percorrer o corredor inteiro do supermercado para chegar ao fim e perceber que não era ali. Precisamos de sentir que “afinal não era isto”.
O verdadeiro desafio coloca-se: como atravessar o deserto sem ficarmos perdidos nele? Como atravessar a fantasia sem nos deixarmos ficar pelos oásis que aparecem pelo caminho que mais não são do que a própria ideologia em acção? A verdadeira armadilha reside na forma como imaginamos sair dela. É aí que os grilhões são impiedosos e aniquilam qualquer tentativa de mudar as regras do jogo.
Para que tal não aconteça, recuperar a noção de compromisso é fundamental. Ao adoptarmos uma postura de fidelidade, de sujeitos implicados com uma verdade e de recusa da fluidez narcisista, somos capazes de rejeitar o principal instrumento ideológico de opressão: o desapego. Recuperando o sentido político de unificação das lutas num antagonismo comum, somos capazes de dar um passo em frente na construção de um mapa político inclusivo e verdadeiramente subversivo. Rejeitando o desinteresse cínico, estamos mais perto de não nos deixarmos iludir por soluções modernas e inovadoras. Não precisamos de disrupção vinda de investidores com pele de anjo. Partindo de uma entrega a uma verdadeira transformação da forma de estar, de pensar, de agir, podemos construir soluções que recusem as falsas opções contemporâneas e que não caiam nos cantos de sereia liberais.
Enfrentemos os falhanços do socialismo real, bebamos a coca-cola até ao fim e sigamos deserto a dentro.
Tenho medo. É noite, estou sozinha em um país que não é o meu. Uma sensação de ansiedade quer tomar conta do meu corpo. Não fecho os olhos, mas de dentro da minha cabeça vejo meu corpo em espasmos de ansiedade. Movimentos sem começo ou fim agitam o meu ser para além da minha mente. Lembro da cicatriz no meio do meu torso e de como quero cada vez mais me afastar da mulher que a fez, mas ainda sinto como se a ansiedade beirasse a minha porta e quisesse novamente esconder-se em meio a um caos que desejo suprimir.
Quando penso, penso longe. Não consigo me aproximar de mim para atender minhas necessidades e conciliar o meu eu lírico ao meu eu presente nessa realidade. Quando não penso, sou só vazio e contemplação. Sou o ar lento e suave movendo as folhas das árvores em noites calmas e silenciosas.
Sempre soube que há duas de mim. Sempre souberam que há duas de mim. Sempre foi discórdia.
Tenho medo. E receio. Tenho vontade de chorar um choro de criança que não sabe onde está.
Sinto que preciso de companhia mas que a que preciso é indomável demais para estar aqui comigo agora. Ainda não sei como convencer-me a estar presente sem provocar destruição e sentir plenitude no que ainda é confusão.
Quero amigos, quero amor. Quero ser capaz de me alegrar em outros seres e de dividir a contemplação.
Sinto que cheguei até aqui pela benção do acaso que não me deixou destruir tudo. TUDO.
Pelo milagre, eu sobrevivi, por mim viverei.
Tenho medo porque não sei ser. Vivi em maior grau não querendo viver. Quando pude morrer, decidi viver, mas ainda não sei ser.
Não há um final, uma lição de moral, uma frase de incentivo.
Estou no meio do caminho desta vida.
Perdida.
Há esperança.