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EDIÇÃO 1/4
PALESTINA VENCERÁ
Alba Gómez
EM 2024 MORRERAM 10.457 PESSOAS QUE TENTAVAM CHEGAR A ESPANHA PELO MAR

De acordo com a organização de defesa dos direitos das pessoas migrantes Caminando Fronteras, morreram 10.457 pessoas que tentavam chegar à costa espanhola, em 2024 apenas. Dessas, 9.757 morreram na rota do Atlântico, que ainda não deixou de ser um banho de sangue, séculos depois do início da escravatura moderna. A União Europeia fecha-se como uma fortaleza: ao invés de abrirmos as fronteiras a quem procura asilo e outra vida, preferimos que essas milhares de pessoas simplesmente morram diante dos nossos olhos e inércia.


Os governos europeus, sejam de esquerda ou de direita, apoiam estas políticas da morte. A UE orçamentou 11.5 mil milhões de euros, entre 2021 e 2027, para a FRONTEX, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira. Esta agência controla mais de 200 centros de detenção dentro das fronteiras da UE mas também faz acordos com os governos de vários países africanos e asiáticos, complacentes com a política racista da UE.


Destas 10.457 mortes, não sabemos os nomes mas sabemos os países de origem: Argélia, Bangladesh, Burundi, Burkina Faso, Camarões, Comores, República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné, Iraque, Mali, Mauritânia, Marrocos, Nigéria, Paquistão, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Síria, Tunísia e Iémen. Porque não acolher seres humanos, sejam eles donde forem?

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GUERRA? NÃO, OBRIGADO!

Estados Unidos da América, China, Rússia, Índia, União Europeia, etc… Todas as grandes potências estão a comprar e/ou a produzir armas a um ritmo acentuado. O gasto militar a nível mundial chegou agora aos 2,46 biliões de dólares (1 bilião tem doze zeros…), de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Que negócio!


Esta escalada foi muito evidente na primeira década do século XXI, apesar do fim da Guerra Fria e da hegemonia dos Estados Unidos da América; e voltou em força a partir de 2017, num mundo mais dividido entre várias potências. Tenha o mundo uma, duas ou várias potências, qualquer desculpa serve aos senhores da guerra para o aumento do gasto militar. É por esta razão que cada vez mais se fala nas televisões e nos jornais na possibilidade de uma guerra inter-continental ou mundial.


Quem será a carne para os canhões destas guerras? Os filhos dos pobres, como sempre. Existe, no entanto, uma ferramenta disponível: a objeção de consciência ao serviço militar. Esta está consagrada na lei e pode ser requerida por motivos de consciência em razão de uma convicção de ordem religiosa, ética, moral, humanitária e/ou filosófica. Não poderão obrigar a combater nem a pegar em armas quem pedir a objeção de consciência. Está, portanto, nas nossas mãos exercer este direito e dizer, a alto e bom som: guerra? Não, obrigado!

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ROJELIA E TITO DETRITO
cartoon
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ÉS DONDE?

Sempre que me perguntam de onde sou, sai-me responder com uma mistura entre orgulhosa, melancólica e agridoce: "Soy andaluza, soy de Cádi".


E como se de um gambozino albino se tratasse, as pessoas que se interessaram em adivinhar de opassos serão magicamente guiados para a vitória (a Nike não protagoniza esta campanha). 


Sorte é não ter de emigrar porque na tua terra (aquela onde os senhoritos de Despeñaperros pa cima nos olham como se fôssemos Pokémon lendários) não há pão, poder e sorte.


A Andaluzia nunca teve sorte. 


O sotaque, a nossa pátria, também não. Que sorte aquela tem quem não precisa de mudar a sua maneira de falar pa se encaixar e, mesmo que nos recusemos a modificá-la, sempre nos encontraremos com esse olhar de: -"Tu não és daqui, eh?"


Que sorte ter a tua mãe pertinho e a tua avó a desfiar a carne do puchero. 


Que sorte quando a tua amiga te apanha à porta de casa para dar um giro pela praia, mas despacha-te qué preciso ajudar a pôr a mesa. 


Que sorte sentires-te que estás em casa, olhar o entardecer e saber que amanhã o voltarás a ver do mesmo ponto cardeal. 


Quem me dera a mim ter essa sorte.

Marieta Linares Montero
O FUTURO ESTÁ NAS COSTAS E O PASSADO NA NOSSA FRENTE

O futuro está nas costas e o passado na nossa frente, diriam no linguarejar moderno de hoje, os Antigos da Antiguidade clássica, na sua sabedoria incalável.


A razão de assim ser, constataram, é que o futuro é-nos desconhecido, chegamos a ele andando e tateando de costas, ou, dito de outro modo, andamos em direcção a ele de costas e é assim que o vamos desvendando.


Já o passado, que se torna presente, está à nossa frente: já o atravessamos, trazemo-lo connosco, está em nós.


E porque somos os que esquecem, se esquecem, às vezes, não poucas, é preciso convocar o passado presente, que de algum modo enuncia o futuro porvir.


Nos fascículos que se seguem, parte deste pêndulo andará na senda deste entrelaçar entre estes dois tempos e modos, invitando a dimensão das suas (des)continuidades e possibilidade para que o espanto do agora e o que há-de vir, seja o espanto do mundo novo possível. 

Carlos Rafael Teixeira
TENTEMOS OUTRA VEZ

Porque é tão difícil começar do zero? Existe um conforto em tentar explicar o mundo com os livros que lemos ontem. Passa-se a responsabilidade para um passado longínquo de grandes pensadores a preto e branco. Mas essa tarefa também é nossa. Também nós temos de assumir o papel de construir as ferramentas que melhor respondem aos antagonismos do nosso tempo. É através da reconstrução das categorias que conseguimos redimir os erros cometidos nas tentativas anteriores. Jacques Lacan falava da cura psicanalítica como o ponto de chegada depois de “atravessada a fantasia”. O próprio Lacan fazia o paralelo entre a compreensão do inconsciente como antagonismo Real, o pináculo do processo de interpretação dos sonhos, e a crítica marxista da ideologia, a análise sintomática dos mecanismos do capitalismo. Comecemos, então, por aí.


Na nossa ideologia neoliberal, pós-moderna, desinteressada, cínica, tecnocrata, não pode haver espaço para a entrega comprometida. É precisamente aí que reside o nó górdio: ficar para sempre no limbo da (in)decisão racional, sem nunca exercer a liberdade de seguir um caminho até ao fim nem assumir as últimas consequências. Ou mesmo que se siga, é facilmente reversível caso um arrependimento de última hora nos faça virar para o lado contrário. O próprio rebobinar é hoje um serviço à disposição, isto quando não está já incluído no preço inicial. Tudo pode ser transacionado e revertido: tornámo-nos empreendedores do nosso Eu, em constante atualização e sempre prontos a seguir o novo nicho. Constrói-se a identidade através do mercado diário de máscaras geradas por algoritmos. A fluidez encaixa bem na transação. É a vitória final do homo-economicus. Para gaudio de muitos, ser de esquerda resume-se cada vez mais a comprar a marca certa.


Não será o confronto com este paradigma um dos passos necessários da tal travessia do deserto pelas ilusões da fantasia ideológica? Não será mesmo este o momento em que temos de beber a coca-cola para ver que já não está fresca? A compreensão dos antagonismos inerentes a esta forma de vida traz necessariamente a perda do seu poder de encanto. É, portanto, fundamental reconhecer esse passo. 


Reconhecer a importância de cada um viver o vazio da reificação plástica na construção de si próprio. O reconhecimento deste vazio implica um confronto violento com os nossos desejos – com a sua forma, o seu objecto e a nossa imaginação. Tornarmo-nos livres dói. A rejeição por decreto ou, nos piores casos, a proibição, só levam ao reforço da jouissance, remetem-nos para um paradigma Mestre-Escravo e ilude-nos com a liberdade de escolha como o fim último da existência. Precisamos mesmo de percorrer o corredor inteiro do supermercado para chegar ao fim e perceber que não era ali. Precisamos de sentir que “afinal não era isto”. 


O verdadeiro desafio coloca-se: como atravessar o deserto sem ficarmos perdidos  nele? Como atravessar a fantasia sem nos deixarmos ficar pelos oásis que aparecem pelo caminho que mais não são do que a própria ideologia em acção? A verdadeira armadilha reside na forma como imaginamos sair dela. É aí que os grilhões são impiedosos e aniquilam qualquer tentativa de mudar as regras do jogo. 


Para que tal não aconteça, recuperar a noção de compromisso é fundamental. Ao adoptarmos uma postura de fidelidade, de sujeitos implicados com uma verdade e de recusa da fluidez narcisista, somos capazes de rejeitar o principal instrumento ideológico de opressão: o desapego. Recuperando o sentido político de unificação das lutas num antagonismo comum, somos capazes de dar um passo em frente na construção de um mapa político inclusivo e verdadeiramente subversivo. Rejeitando o desinteresse cínico, estamos mais perto de não nos deixarmos iludir por soluções modernas e inovadoras. Não precisamos de disrupção vinda de investidores com pele de anjo. Partindo de uma entrega a uma verdadeira transformação da forma de estar, de pensar, de agir, podemos construir soluções que recusem as falsas opções contemporâneas e que não caiam nos cantos de sereia liberais. 


Enfrentemos os falhanços do socialismo real, bebamos a coca-cola até ao fim e sigamos deserto a dentro. 


Ricardo N. Henriques
ENTRAVE

Tenho medo. É noite, estou sozinha em um país que não é o meu. Uma sensação de ansiedade quer tomar conta do meu corpo. Não fecho os olhos, mas de dentro da minha cabeça vejo meu corpo em espasmos de ansiedade. Movimentos sem começo ou fim agitam o meu ser para além da minha mente. Lembro da cicatriz no meio do meu torso e de como quero cada vez mais me afastar da mulher que a fez, mas ainda sinto como se a ansiedade beirasse a minha porta e quisesse novamente esconder-se em meio a um caos que desejo suprimir.


Quando penso, penso longe. Não consigo me aproximar de mim para atender minhas necessidades e conciliar o meu eu lírico ao meu eu presente nessa realidade. Quando não penso, sou só vazio e contemplação. Sou o ar lento e suave movendo as folhas das árvores em noites calmas e silenciosas.

Sempre soube que há duas de mim. Sempre souberam que há duas de mim. Sempre foi discórdia.


Tenho medo. E receio. Tenho vontade de chorar um choro de criança que não sabe onde está. 

Sinto que preciso de companhia mas que a que preciso é indomável demais para estar aqui comigo agora. Ainda não sei como convencer-me a estar presente sem provocar destruição e sentir plenitude no que ainda é confusão. 

Quero amigos, quero amor. Quero ser capaz de me alegrar em outros seres e de dividir a contemplação.

Sinto que cheguei até aqui pela benção do acaso que não me deixou destruir tudo. TUDO. 

Pelo milagre, eu sobrevivi, por mim viverei.


Tenho medo porque não sei ser. Vivi em maior grau não querendo viver. Quando pude morrer, decidi viver, mas ainda não sei ser.


Não há um final, uma lição de moral, uma frase de incentivo.


Estou no meio do caminho desta vida. 


Perdida.


Há esperança.

Brunna Lopes
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