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EDIÇÃO 2/4
TRÊS GERAÇÕES A EXCLUIR
Kanmo
GOVERNOS FINANCIAM O GENOCÍDIO NA PALESTINA!

O genocídio em curso na Palestina, às mãos do terrorista Estado de Israel, matou já entre 150 e 200 mil pessoas. São estes os dados do jornal médico “The Lancet”, lançados em julho de 2024. À época, estimavam-se cerca de 37 mil mortes, pelo números oficiais. Por cada morte directa, afirmam, estimam-se outras quatro indirectas. Esta é uma estimativa muito conservadora: de acordo com um relatório de 2008 da Declaração de Genebra sobre Violência Armada e Desenvolvimento, em cenários de guerra as mortes indirectas podem exceder até 15 vezes os números oficiais. O presidente da ONG Médicos do Mundo confirma que a estimativa de 4 mortes indirectas por cada morte directa é correcta.


O que fazem os nossos governos perante este genocídio? Negoceiam armas com Israel. O governo português já proibiu, em Junho de 2024, a exportação de armas para Israel mas continua a ser um importador, financiando a máquina de guerra israelita (um dos mais recentes contratos foi celebrado em Novembro). O governo espanhol, por outro lado, continua a autorizar a compra e a venda de armas com Israel. O portal governamental DataComex comprova-o. E qual é o lema que Israel usa para vender as suas armas? “Testado em combate”... É urgente acabar com o comércio de armas com Israel!

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NÃO HÁ MÉDICOS NAS PRISÕES

A situação sanitária nas prisões espanholas é cada vez mais insustentável. Para a população reclusa, formada por mais de 50 mil pessoas, existem menos de 200 médicos disponíveis. Os últimos dados são de 2023, do relatório da Secretaria Geral das Instituições Penitenciárias: há 169 médicos e 31 subdiretores ou chefes de serviço médico para toda a população reclusa.


De acordo com um relatório do Portal da Transparência sobre a Relação de Quadros de Pessoal do Ministério do Interior, de 2025, não deveria ser assim. Existem 467 vagas para médicos, 25 vagas para chefes de serviço médico e 45 para subdiretores de serviços médicos que não se cobrem porque não há pessoas candidatas e porque não se melhoram as condições salariais e laborais do pessoal médico, que está sujeito a um regime diferente do da saúde pública. O rácio entre médicos e reclusos é aproximadamente metade do da população em geral.


Em Portugal, a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso identifica problemas semelhantes deste lado da fronteira e propõe uma amnistia de alguns anos para todas as pessoas que estejam presas, dada a falta de condições nas prisões. Se a situação da saúde nas prisões melhora, toda a saúde pública sairá a ganhar; e se deixarmos de depender tanto do castigo como método, também a nossa vida podia ser outra, em liberdade.

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O CAOS MENTAL
Alba Gómez
METAMORFOSE AMBULANTE

Antes de ser mãe — e quando digo isto é mesmo até parir — tinha a certeza que es filhes é que têm de se adaptar à vida des adultes, que esta deve permanecer imutável e orientada para o trabalho, que o trabalho é o centro da vida, que o trabalho é a fonte de satisfação e concretização e o resto é adereço, pode ser fixe mas é adereço, há hobbies se sobrar tempo depois do trabalho. Contava e esperava com um regresso ao trabalho pelos 6/7 meses (salvaguardando os 6 meses de amamentação exclusiva que entretanto aos 2 meses já tinham ido pelo cano abaixo à conta da formula que tive de juntar por causa do freio curto que não foi detectado na maternidade) e voltei aos 9 a contragosto. 


Criticava ferozmente es pais e mães que ousavam sair de um jantar porque es filhes estavam desconfortáveis ou com sono, que insolência, má-criação, pais reféns de um simples bebé. Achava que amamentação era só comida e que tinha horário e data de término. Os pais não podem ceder, senão es crianças e bebés manipulam porque são manhoses (e já agora se fosse mesmo verdade, manipular para nos ter por perto é assim tão mau?), não se pode ceder, assumir um engano, pedir desculpas, es pais têm de ser superiores aos filhes e só assim es podem proteger, com autoridade e hierarquia e aqui, implicitamente, está também o medo. 


Os bebés dormem na sua cama, no seu quarto e ok, podemos tolerar que se partilhe o quarto uns mesitos, mas coisa pouca e só por causa do síndrome de morte súbita, têm de aprender a dormir no seu quarto e só assim serão independente, e, sobretudo, isto é para o bem da criança


Tinha a certeza de tudo isto. Nem foram necessariamente coisas que me disseram, foram coisas que fui absorvendo por viver numa sociedade adultocêntrica e que valoriza em primeiro lugar a produtividade laboral.


Estava profundamente errada.


E isso lixou-me um bocado o esquema.


O cordão é muitíssimo importante porque a maternidade não pode continuar envolta no mesmo secretismo que a maçonaria. A vida des bebés e des pais e mães seria substancialmente mais fácil se não se descobrisse tudo à força e em pleno pós-parto, ficamos sem chão assim quando precisamos é de colo.


É importante não esquecer que somos mamíferos e que há certas coisas que são inerentes à espécie, apesar da recente (para o  ser humano) industrialização e do capitalismo e do apagar sistemático do instinto. Es bebés, dá-se o caso de não saberem que estão a nascer no século XXI e que es adultes vivem em  prédios e trabalham 8h por dia 5 dias por  semana (na melhor das hipóteses) e que há vários costumes que se foram instituindo (abolição do quarto familiar, alguma obsessão com as aparências, comida como recompensa, toda a acção deve gerar produtividade mensurável, o ócio não é para aqui chamado). 


Mas há coisas que sabem e muito bem, sabe é que é um ser humano e que precisa do cuidado constante de cuidadores, às vezes porque tem fome, outras porque tem sono, outras porque tem sede, outras porque tem xixi e (muitas) outras só porque sim porque não faz bem ideia do que é que anda aqui a fazer.


O problema é que para es cuidadores estarem física e mentalmente disponíveis para o seu bebé, precisam de apoio na retaguarda — a tal da rede de apoio! — porque é fundamental cuidar de quem cuida e o que queremos não é andar à tona, queremos tudo bolas!, queremos estar mesmo bem e a curtir e estar disponíveis.


É preciso um apoio estruturado às recém famílias e – digo-o com todo o carinho – eu pastéis serão com certeza mais apreciados que um babygrow. Eu sei bem quais os melhores presentes que recebi na gravidez e pós-parto: travessas de arroz de pato e bacalhau, pastéis, sopas variadas e maravilhosas, ajuda em casa, tirar a louça da máquina ou fazer máquinas de roupa e também festinhas, o bom do cafuné.


Sinto que há uma cegueira que só deixa ver es bebés como nenucos fofos e inúteis incapazes, e por muito inocente e amoroso que isso seja eu não posso deixar de sentir que lhes retira a humanidade e consequentemente a imprevisibilidade, a complexidade e a multitude de necessidades e portanto uma pessoa fica sem saber o que fazer quando um bebé chora porque precisa somente de colo e afecto, porque de alguma forma rebuscada na sociedade contemporânea o colo acabou sendo excluído das necessidades de um bebé, se choram ou é sono, ou fome, ou fralda, ficou de fora o afecto.


E é por isso que tenho a maior felicidade em ter mudado tanto e em ser a pessoa que mais contrario na minha forma de maternar. Agora é assim, amanhã não sei, seguimos saltando de fase em fase, nada é eterno e imutável, a não ser o colo, colo sempre para sempre.


Maria Salgado
CEGOS, SURDOS, MAS NÃO MUDOS

Quando ouvimos os jornalistas e comentadores falar na “bolha politico-mediática” não podemos deixar de esboçar um sorriso: estarão eles a falar de fora sobre si próprios ou simplesmente a reproduzir essa mesma bolha, imaginando-a a partir de um ponto de vista impossível? Não é claro se estamos perante filósofos cartesianos ou wittgensteinianos: o sujeito é um ponto exterior ao próprio mundo que observa, ou, pelo contrário, observa-se a si próprio como um dos elementos do mundo? Mas de onde olha então o comentador para si próprio? Fica a dúvida no ar.


O que é certo é que esta bolha tem propriedades isolantes graves. A aderência à realidade é ténue, escorregando em vídeos virais que mostram que para muitos destes comentadores Portugal não é muito mais do que Paço de Arcos. O seu papel ilustre já não brilha, já não se ouve o seu vibratto. Queixam-se do povo, queixam-se da falta de leitura. Mas será verdade? Ou serão eles que já não são lidos? Como estações que dantes cruzavam mundos e vidas e que hoje não passam de meros apeadeiros. Talvez o mundo tenha corrido, seguido em frente, e o Portugal dos pequeninos já não seja tão pequenino assim. Mas o seu mundo ficou mais pequeno, tão pequeno que hoje se resume a uma mesa oval num estúdio.


Muitas questões surgem quando vivemos num sítio tão abafado. Não percebemos as  correntes, não viajamos nos mesmos barcos, não sentimos os mesmos enjoos. Ficamos presos num pequeno mundo de ilusões altamente privilegiadas. Quando Mem Martins bate à porta, espantamo-nos com o seu sucesso. Talvez nunca tenhamos lá passado e por isso o ressentimento permaneça um mistério dos incultos. Mas quem é inculto nesta dialética? Também não ouvimos recitais de Homero nem discussões metafísicas nos vários eixos televisivos, nem ouvimos opiniões que ofereçam algo de novo ou diferente do que outros já disseram no seu lugar. O vazio é tão grande quanto o vazio que acham encontrar no povo. É proporcional à sua ignorância.


Cultivam-se políticos a partir destes viveiros de marketing. Constroem-se narrativas a partir de trocadilhos, esquecendo a memória e a substância. Afastam-se opiniões que embaracem os convidados e os investidores, conseguindo com isso apenas afastar também todos os que não vivem refrescados pelo ar condicionado. Existe um país a gritar que não chega ao silêncio dos media. Uma mordaça que não cala, simplesmente desvia o ressentimento para quem tem explicações fáceis e conspirativas. Queixam-se da crise da mediação da informação, mas não foi o povo o que inventou o TINA. Queixam-se das redes sociais, mas os próprios jornalistas procuram ser influencers. Uma mínuscula fatia da comunidade acha-se o centro, o padrão, o normal, cegando-se à realidade esmagadora de todos os que não circulam na mesma rua. 


Portugal já não está em 1975. Não precisamos de espertos para explicar a realidade, nem queremos oráculos das 8 da noite. A alfabetização funcionou mesmo. O seu privilégio é construído na opressão material das oportunidades, dos circuitos informais, das amizades. A bolha politico-mediática não é mais do que a bolha do privilégio de quem goza do acesso ao poder, surda e cega perante o seu próprio país. Uma bolha construída pelos mesmos que agora se queixam dela, alimentada pelas suas sucessivas pseudo-autocríticas. Esquerda e direita já não conta quando nos tornamos no bobo da corte em horário nobre nem quando fazemos o número de ilha progressista num arquipélago neoliberal. Trata-se de uma bolha construída e reforçada para auto-reflexivamente anular a consciência da sua própria propaganda. 


Felizmente, o país é mais do que uma redacção. Mais cedo ou mais tarde, aperceber-se-ão disso. Que mais não seja quando a roda do capital começar a engrenar e o Pai Estado for chamado a pagar as dívidas. O castelo de cartas não dura para sempre. Quando a realidade entrar em directo e a bolha rebentar, veremos de que lado estarão. 

Ricardo N. Henriques
ANSEIO

Esta noite, antes de me entregar ao sono, tentei me entregar a um desejo que jaz distante. Sempre tento despertá-lo com violência, submissão, voracidade. 


E às vezes, para o fazer, tento me lembrar de você, de como estava disposta nos nossos encontros secretos a me entregar ao sabor e ao suor da carne, ao desejo sedicioso de exercer o papel da rendida, de dobrar os joelhos, de ser levada por aquela força que se transformava em um desejo descomunal quando você se afundava em mim.


Bem, mais de mim do que de você. 

Porque era meu hedonismo que importava. 

Era meu ímpeto que nos levava adiante. 


Por mais que sempre implorasse docemente um por favor e por favor e mais um por favor com a intenção de que eu lhe rogasse para que me desse seus desejos, ao fim e ao cabo, eram apenas palavras usadas para lhe instruir sobre minhas ânsias. 

Tentava construir em você o personagem concebido em minha cabeça e para isso me parecia que lhe dar essa ilusão de poder era mais fácil para alguém que sempre sonha com ele.

 

Ainda que fosse eu quem dominava, desejava constantemente que você espancasse a minha carne para libertar das formas mais sórdidas, meu ser.


E já misturados em delírios uivando no campo sem vizinhos, esquecia as penas diurnas e me tornava em seu succubus.


Agora separados por anos e países, nos resta pouca memória, muita saudade, algum ou outro objeto quebrado pela loucura que nos remete àqueles dias. 

Esta noite, me pego rogando baixinho, com os olhos fechados, suspirando outra vez ao silêncio do meu quarto.


Por favor

Por favor

Por favor


E em fugazes cenas retrospectivas, vou implorando para que aquele desejo me convide novamente a atravessar a vida de alguém como atravessei a sua.


Me toca, me lambe, me morde, invade meu corpo até que minha alma seja expurgada para dentro de você, sobre você, sobre o universo. 


Anseio pelo desejo, aquele desejo no bar, nas ruas desertas, na estrada, no seu carro, no seu campo, na sua piscina, nos seus braços, no seu fôlego quente ao pé do meu ouvido, no seu sexo. 

Anseio por aquele desejo como força motriz.


Brunna Lopes
QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA?

No território espanhol, mais de 5 milhões de mulheres são cuidadoras não profissionais. Segundo o Instituto da Mulher, 8 em cada 10 mulheres desempenham trabalhos de cuidado sem receber qualquer remuneração pelo mesmo.


Quando colocamos números e estatísticas em realidades já conhecidas tornamo-las contundentes, inquestionáveis e até, conseguimos construir toda uma série de argumentos contra aquelas desinformações que procuram deitar abaixo estas verdades. Mas, por vezes, os argumentos, o activismo e até, as intenções de fazer este mundo mais amável para nós, não são suficientes para quem não quer entender ou perder o privilégio.


Como fazer ver quem não quer ver? A mim, para começar, ocorre-me incomodar. Sim, incomodar. Incomodar pode-se incomodar de muitas formas. Até pode chegar a ser uma arte. Sobretudo se nos focarmos em visualizar esses incómodos que nos ocorrem, para que se veja o como e o que sentimos. Não me interpretem mal — isto não é um apelo a la "V de Vendetta".


Lembro-me de uma infinidade de vezes em que me incomodava ver a minha amiga chorar de exaustão porque o marido era “incapaz” de acordar de madrugada para dar de comer ao filho. Lembro-me de que me incomodava muitíssimo ver como os meus tios no Natal comiam quentinhos nas suas cadeiras e a minha mãe, tias, avós e primas comiam de pé e lavavam a loiça ao mesmo tempo. Lembro-me do incrível e incómodo que era ter de justificar ao meu companheiro uma série de 15 razões de forma cuidadosa e respeitosa pelas que sinto que não sou valorizada na minha relação e que me respondesse com um: - “não sei o que te diga”, deixando-me outra série de 15 incertezas para gerir sozinha.


Lembro-me do incrivelmente incómodo que lhe parecia à minha mãe quando o meu pai não se lembrava de um único aniversário ou duma consulta da minha irmã mais nova. Lembro-me, agora mesmo, do incómodo que é ouvir como alguns homens pedem a mulheres femininas que saibam cuidar, como se a feminidade fosse uma só mulher protótipa e os cuidados devessem ser inerentes à feminidade.


Isto, nem mais nem menos, traduz-se em falta de cuidados. Uns cuidados com os quais as mulheres fomos educadas e socializadas, na sua generalidade, porque lembro-vos que 8 em cada 10 mulheres exercemos trabalhos de cuidados sem receber. E se lhe damos a volta, sim, há mulheres que não cuidam nem querem claro que há homens que cuidam mas nem se comparam em número.


Com este artigo não incito a dar-lhe a volta à questão e fazer o papel de vingadora. Este artigo fala de visibilizar as coisas incómodas e a ausência de quem cuida das que cuidam.


O que incomoda sacode-nos, faz-nos mudar de lugar ou de estado de espírito. E ocorre-me pensar que os cuidados vão muito além de fazer comida à tua criança ou lembrar o teu companheiro de tomar a medicação. Os cuidados são colectivos. Movem o mundo e não deveriam ser uma utopia nem relegados a percentagens. O problema que vejo aqui é que os cuidados normalizam-se nas mulheres e premeiam-se nos homens.

Marieta Linares Montero
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EDIÇÃO 1/4
PALESTINA VENCERÁ
Alba Gómez
EM 2024 MORRERAM 10.457 PESSOAS QUE TENTAVAM CHEGAR A ESPANHA PELO MAR

De acordo com a organização de defesa dos direitos das pessoas migrantes Caminando Fronteras, morreram 10.457 pessoas que tentavam chegar à costa espanhola, em 2024 apenas. Dessas, 9.757 morreram na rota do Atlântico, que ainda não deixou de ser um banho de sangue, séculos depois do início da escravatura moderna. A União Europeia fecha-se como uma fortaleza: ao invés de abrirmos as fronteiras a quem procura asilo e outra vida, preferimos que essas milhares de pessoas simplesmente morram diante dos nossos olhos e inércia.


Os governos europeus, sejam de esquerda ou de direita, apoiam estas políticas da morte. A UE orçamentou 11.5 mil milhões de euros, entre 2021 e 2027, para a FRONTEX, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira. Esta agência controla mais de 200 centros de detenção dentro das fronteiras da UE mas também faz acordos com os governos de vários países africanos e asiáticos, complacentes com a política racista da UE.


Destas 10.457 mortes, não sabemos os nomes mas sabemos os países de origem: Argélia, Bangladesh, Burundi, Burkina Faso, Camarões, Comores, República Democrática do Congo, Egipto, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné, Iraque, Mali, Mauritânia, Marrocos, Nigéria, Paquistão, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Síria, Tunísia e Iémen. Porque não acolher seres humanos, sejam eles donde forem?

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GUERRA? NÃO, OBRIGADO!

Estados Unidos da América, China, Rússia, Índia, União Europeia, etc… Todas as grandes potências estão a comprar e/ou a produzir armas a um ritmo acentuado. O gasto militar a nível mundial chegou agora aos 2,46 biliões de dólares (1 bilião tem doze zeros…), de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Que negócio!


Esta escalada foi muito evidente na primeira década do século XXI, apesar do fim da Guerra Fria e da hegemonia dos Estados Unidos da América; e voltou em força a partir de 2017, num mundo mais dividido entre várias potências. Tenha o mundo uma, duas ou várias potências, qualquer desculpa serve aos senhores da guerra para o aumento do gasto militar. É por esta razão que cada vez mais se fala nas televisões e nos jornais na possibilidade de uma guerra inter-continental ou mundial.


Quem será a carne para os canhões destas guerras? Os filhos dos pobres, como sempre. Existe, no entanto, uma ferramenta disponível: a objeção de consciência ao serviço militar. Esta está consagrada na lei e pode ser requerida por motivos de consciência em razão de uma convicção de ordem religiosa, ética, moral, humanitária e/ou filosófica. Não poderão obrigar a combater nem a pegar em armas quem pedir a objeção de consciência. Está, portanto, nas nossas mãos exercer este direito e dizer, a alto e bom som: guerra? Não, obrigado!

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ROJELIA E TITO DETRITO
cartoon
Kanmo
ÉS DONDE?

Sempre que me perguntam de onde sou, sai-me responder com uma mistura entre orgulhosa, melancólica e agridoce: "Soy andaluza, soy de Cádi".


E como se de um gambozino albino se tratasse, as pessoas que se interessaram em adivinhar de opassos serão magicamente guiados para a vitória (a Nike não protagoniza esta campanha). 


Sorte é não ter de emigrar porque na tua terra (aquela onde os senhoritos de Despeñaperros pa cima nos olham como se fôssemos Pokémon lendários) não há pão, poder e sorte.


A Andaluzia nunca teve sorte. 


O sotaque, a nossa pátria, também não. Que sorte aquela tem quem não precisa de mudar a sua maneira de falar pa se encaixar e, mesmo que nos recusemos a modificá-la, sempre nos encontraremos com esse olhar de: -"Tu não és daqui, eh?"


Que sorte ter a tua mãe pertinho e a tua avó a desfiar a carne do puchero. 


Que sorte quando a tua amiga te apanha à porta de casa para dar um giro pela praia, mas despacha-te qué preciso ajudar a pôr a mesa. 


Que sorte sentires-te que estás em casa, olhar o entardecer e saber que amanhã o voltarás a ver do mesmo ponto cardeal. 


Quem me dera a mim ter essa sorte.

Marieta Linares Montero
O FUTURO ESTÁ NAS COSTAS E O PASSADO NA NOSSA FRENTE

O futuro está nas costas e o passado na nossa frente, diriam no linguarejar moderno de hoje, os Antigos da Antiguidade clássica, na sua sabedoria incalável.


A razão de assim ser, constataram, é que o futuro é-nos desconhecido, chegamos a ele andando e tateando de costas, ou, dito de outro modo, andamos em direcção a ele de costas e é assim que o vamos desvendando.


Já o passado, que se torna presente, está à nossa frente: já o atravessamos, trazemo-lo connosco, está em nós.


E porque somos os que esquecem, se esquecem, às vezes, não poucas, é preciso convocar o passado presente, que de algum modo enuncia o futuro porvir.


Nos fascículos que se seguem, parte deste pêndulo andará na senda deste entrelaçar entre estes dois tempos e modos, invitando a dimensão das suas (des)continuidades e possibilidade para que o espanto do agora e o que há-de vir, seja o espanto do mundo novo possível. 

Carlos Rafael Teixeira
TENTEMOS OUTRA VEZ

Porque é tão difícil começar do zero? Existe um conforto em tentar explicar o mundo com os livros que lemos ontem. Passa-se a responsabilidade para um passado longínquo de grandes pensadores a preto e branco. Mas essa tarefa também é nossa. Também nós temos de assumir o papel de construir as ferramentas que melhor respondem aos antagonismos do nosso tempo. É através da reconstrução das categorias que conseguimos redimir os erros cometidos nas tentativas anteriores. Jacques Lacan falava da cura psicanalítica como o ponto de chegada depois de “atravessada a fantasia”. O próprio Lacan fazia o paralelo entre a compreensão do inconsciente como antagonismo Real, o pináculo do processo de interpretação dos sonhos, e a crítica marxista da ideologia, a análise sintomática dos mecanismos do capitalismo. Comecemos, então, por aí.


Na nossa ideologia neoliberal, pós-moderna, desinteressada, cínica, tecnocrata, não pode haver espaço para a entrega comprometida. É precisamente aí que reside o nó górdio: ficar para sempre no limbo da (in)decisão racional, sem nunca exercer a liberdade de seguir um caminho até ao fim nem assumir as últimas consequências. Ou mesmo que se siga, é facilmente reversível caso um arrependimento de última hora nos faça virar para o lado contrário. O próprio rebobinar é hoje um serviço à disposição, isto quando não está já incluído no preço inicial. Tudo pode ser transacionado e revertido: tornámo-nos empreendedores do nosso Eu, em constante atualização e sempre prontos a seguir o novo nicho. Constrói-se a identidade através do mercado diário de máscaras geradas por algoritmos. A fluidez encaixa bem na transação. É a vitória final do homo-economicus. Para gaudio de muitos, ser de esquerda resume-se cada vez mais a comprar a marca certa.


Não será o confronto com este paradigma um dos passos necessários da tal travessia do deserto pelas ilusões da fantasia ideológica? Não será mesmo este o momento em que temos de beber a coca-cola para ver que já não está fresca? A compreensão dos antagonismos inerentes a esta forma de vida traz necessariamente a perda do seu poder de encanto. É, portanto, fundamental reconhecer esse passo. 


Reconhecer a importância de cada um viver o vazio da reificação plástica na construção de si próprio. O reconhecimento deste vazio implica um confronto violento com os nossos desejos – com a sua forma, o seu objecto e a nossa imaginação. Tornarmo-nos livres dói. A rejeição por decreto ou, nos piores casos, a proibição, só levam ao reforço da jouissance, remetem-nos para um paradigma Mestre-Escravo e ilude-nos com a liberdade de escolha como o fim último da existência. Precisamos mesmo de percorrer o corredor inteiro do supermercado para chegar ao fim e perceber que não era ali. Precisamos de sentir que “afinal não era isto”. 


O verdadeiro desafio coloca-se: como atravessar o deserto sem ficarmos perdidos  nele? Como atravessar a fantasia sem nos deixarmos ficar pelos oásis que aparecem pelo caminho que mais não são do que a própria ideologia em acção? A verdadeira armadilha reside na forma como imaginamos sair dela. É aí que os grilhões são impiedosos e aniquilam qualquer tentativa de mudar as regras do jogo. 


Para que tal não aconteça, recuperar a noção de compromisso é fundamental. Ao adoptarmos uma postura de fidelidade, de sujeitos implicados com uma verdade e de recusa da fluidez narcisista, somos capazes de rejeitar o principal instrumento ideológico de opressão: o desapego. Recuperando o sentido político de unificação das lutas num antagonismo comum, somos capazes de dar um passo em frente na construção de um mapa político inclusivo e verdadeiramente subversivo. Rejeitando o desinteresse cínico, estamos mais perto de não nos deixarmos iludir por soluções modernas e inovadoras. Não precisamos de disrupção vinda de investidores com pele de anjo. Partindo de uma entrega a uma verdadeira transformação da forma de estar, de pensar, de agir, podemos construir soluções que recusem as falsas opções contemporâneas e que não caiam nos cantos de sereia liberais. 


Enfrentemos os falhanços do socialismo real, bebamos a coca-cola até ao fim e sigamos deserto a dentro. 


Ricardo N. Henriques
ENTRAVE

Tenho medo. É noite, estou sozinha em um país que não é o meu. Uma sensação de ansiedade quer tomar conta do meu corpo. Não fecho os olhos, mas de dentro da minha cabeça vejo meu corpo em espasmos de ansiedade. Movimentos sem começo ou fim agitam o meu ser para além da minha mente. Lembro da cicatriz no meio do meu torso e de como quero cada vez mais me afastar da mulher que a fez, mas ainda sinto como se a ansiedade beirasse a minha porta e quisesse novamente esconder-se em meio a um caos que desejo suprimir.


Quando penso, penso longe. Não consigo me aproximar de mim para atender minhas necessidades e conciliar o meu eu lírico ao meu eu presente nessa realidade. Quando não penso, sou só vazio e contemplação. Sou o ar lento e suave movendo as folhas das árvores em noites calmas e silenciosas.

Sempre soube que há duas de mim. Sempre souberam que há duas de mim. Sempre foi discórdia.


Tenho medo. E receio. Tenho vontade de chorar um choro de criança que não sabe onde está. 

Sinto que preciso de companhia mas que a que preciso é indomável demais para estar aqui comigo agora. Ainda não sei como convencer-me a estar presente sem provocar destruição e sentir plenitude no que ainda é confusão. 

Quero amigos, quero amor. Quero ser capaz de me alegrar em outros seres e de dividir a contemplação.

Sinto que cheguei até aqui pela benção do acaso que não me deixou destruir tudo. TUDO. 

Pelo milagre, eu sobrevivi, por mim viverei.


Tenho medo porque não sei ser. Vivi em maior grau não querendo viver. Quando pude morrer, decidi viver, mas ainda não sei ser.


Não há um final, uma lição de moral, uma frase de incentivo.


Estou no meio do caminho desta vida. 


Perdida.


Há esperança.

Brunna Lopes
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