
Dos montes ondulantes não se avistava uma alma. Salvo o tímido murmúrio de um riacho, reinava o silêncio da província. Por vezes ouvia-se um tiro de caça, longínquo, que logo morria na distância. Horas antes, a densa vegetação dos montes vira-se penteada pelo orvalho e nevoeiro. Agora, sentiam-se os potentes raios de sol que deslizavam do céu, quebravam o frio e vinham pousar sobre as vinhas.
Num dos montes mais baixos ficava uma igreja dum branco gasto e rodeada de vegetação transmontana: o típico mato silvestre, álamos, carrascos, estevas, e algumas amoreiras ali plantadas. A igreja, minúscula comparada com as rivais das metrópoles, assentava discreta e harmoniosamente entre as verdes plantas que a acolhiam. De perto, viam-se-lhe os coloridos vitrais compostos de traços simples. Por dentro era modesta, e o que mais se notava era o contraste dos bancos castanhos sobre a pedra acinzentada. A fraca luz que penetrava os vitrais perfumava o ar com uma promessa primaveril. O inverno, teimoso, começava por fim a levantar o seu cerco.
Num dos bancos da igreja sentava-se um rapaz de uns vinte e poucos anos. Pálido, de cabelo escuro e pouco cuidado, vestido com um casaco de fato escuro e deteriorado; a única alma ali presente naquela manhã. Fazia frio dentro da igreja, talvez mais do que fora desta – uma sensação dum registo familiar para quem conhece o inverno português –, e do rapaz, de ar febril, soltavam-se-lhe uns calafrios. Parecia haver algo de resoluto naquele olhar quase vazio que emitia, olhar esse que ora se fixava no chão, ora ascendia à pequena cúpula da igreja.
A dada altura foi este vaivém interrompido quando o rapaz sentiu um movimento vindo do fundo da igreja. Era o padre Jerónimo. O rapaz, acordado por aquela presença súbita, esperou que o dono da casa se aproximasse. Seguindo os leves passos do padre que vinha na sua direção, avistou por fim os olhos claros que enfeitavam a cara fina daquele homem, assim como o majestoso adorno de farrapos eclesiásticos que carregava.