
O proibicionismo do uso de substâncias psicoativas está intimamente ligado à política externa dos governos dos Estados Unidos da América durante praticamente todo o século XX e às reorganizações da burguesia do mesmo país, mas também a uma tradição moralista de uma parte dessa sociedade norte-americana (um exemplo seria o Partido Proibicionista). O século XX começou então com o aparecimento de diversas leis proibicionistas: a Lei Seca, resultado desses movimentos proibicionistas, e, mais tarde, a Lei do Imposto sobre a Marijuana de 1937, resultado das disputas entre os principais fabricantes de fibras têxteis, são dois exemplos importantes. O “Novo Mundo”, outrora testemunho em primeira mão da produção intensiva de chá, café, tabaco e cacau, cultivos de substâncias psicoativas essenciais para o desenvolvimento do colonialismo europeu e da sua acumulação primitiva de capital, e claramente dependente do trabalho escravo, era agora um campo de batalha do proibicionismo, mas de um proibicionismo seletivo, principalmente nas substâncias não favoráveis à boa conduta e disciplina laboral. Esse proibicionismo seletivo, embora enraizado num longo contexto histórico, adquire a sua máxima expressão com a guerra contra as “drogas” empreendida pela administração Nixon, que converte certas “drogas” no seu inimigo público número um. Esta guerra reacionária contra o novo inimigo público traduziu-se, cinicamente, numa política que financiou cartéis de droga e governos alinhados, que por sua vez alimentaram a instabilidade política nos países a sul.
Então, foi a guerra contra as “drogas” um rotundo fracasso? Se olharmos para os verdadeiros objectivos do governo norte-americano, a resposta é não. Na realidade, foi um grande sucesso, já que grande parte da ajuda estrangeira para a guerra contra as “drogas” foi destinada ao combate das insurgências de esquerda (como na Colômbia, Nicarágua ou México). Isto foi essencial para o condicionamento político e económico de toda a América Latina, exemplificado na Aliança para o Progresso, e uma poderosa arma retórica que permitiu canalizar recursos do erário público, no quadro da Guerra Fria e do fortalecimento da hegemonia militar norte-americana. E tudo é ainda mais perverso ao sabermos que as forças armadas norte-americanas promoveram o consumo de anfetaminas nas suas próprias fileiras e que a infraestrutura da guerra do Vietname foi utilizada para transportar e traficar heroína para o território norte-americano.
No entanto, os objetivos da administração Nixon não se limitaram à política externa, já que a retórica proibicionista serviu também para eliminar os dissidentes dentro de casa. Como disse o assessor de assuntos internos do presidente Nixon, John Ehrlichman: os verdadeiros inimigos do governo norte-americano eram a esquerda antiguerra e as pessoas negras, associando-as ao uso de “drogas” e criminalizando assim as suas atividades políticas. E embora o mais que evidente racismo nunca possa ser considerado como a única razão para aplicar estas políticas, a verdade é que a guerra contra as “drogas” consolidou e amplificou um racismo institucional sob a forma de vilipêndio público da comunidade negra. E este motivo é talvez o que mais necessita de ser desvelado. Os registos policiais, as detenções e os encarceramentos desproporcionais da comunidade negra têm uma das suas origens aqui mesmo, na guerra contra as “drogas”, adquirindo proporções massivas e ao mesmo tempo exponenciais, bem como um aumento exponencial da população global encarcerada desde a década de 1970. Não é um mero detalhe que o aparecimento de uma indústria sob a forma de prisões privadas durante a administração neoliberal de Ronald Reagan tenha sustentado este aumento: o neoliberalismo tem como prática o aumento da liberdade para os mais ricos à custa de uma diminuição da liberdade para os mais pobres. Uma liberdade selectiva, como o proibicionismo. Existem outras razões para o aumento do uso das prisões além da cínica repressão ao uso de substâncias psicoactivas, uma actividade que partilhamos com muitos outros animais há milhares de anos (como aliás já referido em Génesis, 1:11-13). Mas, tendo pelo menos isto em conta, surpreende assim tanto que as pessoas não brancas sejam as que mais sofrem violência policial e nas prisões?