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FAZIA MUITOS ANOS DESDE QUE ABANDONEI A FÉ

Fazia muitos anos desde que abandonei a fé. Apesar de ter crescido ferrenhamente sendo católica apostólica romana, do tipo de criança que, não só ia à missa como também participava lendo a homilia e dedicando todo o meu ser ao cristianismo, ou melhor, a ser ferramenta de Cristo, eu abandonei não só todos os dogmas mas também toda a fé que havia cultivado durante a infância.

A abandonei quando ela parecia ter me levado por caminhos tão confusos e tão doídos que me parecia impossível discernir.

Preferi seguir o caminho da lógica, da estatística, da razão pelas seguintes décadas. 

 

Foi em um dos momentos mais difíceis da minha pequena vida, que entendi porque e como a fé existe. Quando em 2023, fiquei sem casa, sem trabalho, sem amor, sem perspectivas de um futuro palpável e a incontáveis quilômetros de um colo familiar, vi que naquele momento eu poderia finalmente me entregar ao fim. Parecia que não havia mais nada ao que me apegar. Apesar de parecer que as alternativas que eu tinha não me levariam a nada, eu já não queria morrer. Alguma coisa estava viva em mim. 


Segui tentando sobreviver, eu, que até então tinha chegado até aqui imersa em meu pessimismo, ansiedade, depressão e busca por diagnósticos que justificassem a minha pouca vontade de viver, me dei conta do que todo coração obreiro latente se dá conta: Não há volta atrás. Para querer morrer você tem que viver antes, e eu já não tinha uma vida para negar. Meu espírito precisava encontrar um caminho por onde dar meus primeiros passos. Depois de inúmeras tentativas de me estabilizar, que me deixaram mais cansada que contente, em algum lugar do meu ser, a fé começou a se manifestar.


Recolhendo os cacos que deixei espalhados dentro de mim, vi que a ausência de raízes em meus pés, por mais angustiante que fosse, também me permitia sonhar e ter esperanças. Quando o único caminho é seguir adiante é a fé que nos mantém aqui. Como um pequeno feixe de luz, ela veio adentrando meu ser cético e iluminando meu coração cansado para um futuro palpável.

Uma ideia, uma possibilidade, um golpe de sorte, pequenos milagres e amigos queridos me sustentaram.


A fé dessa vez não veio vestida de dogmas religiosos, mas em um aspecto real e ordinário. Ela estava ali presente nas vidas que eu observava ao redor. Famílias migrantes que trilham seus caminhos enfrentando adversidades enquanto mantém a chama acesa da esperança de reencontrar seres amados muitas vezes em outros continentes, amigos que entraram em situações burocráticas e econômicas complicadas mas que seguiam dedicando todo o seu ser em estarem prontos para um futuro auspicioso ou colegas de trabalho que em meio ao caos do atualidade individualista seguem crendo que só o amor e a união nos fará crescer como sociedade. 

 

Entretanto, não me separei da fé espiritual, na verdade, entendi que ela junto com a fé no potencial real da vida podia me levantar para finalmente conquistar meu lugar no mundo. 

Tive medo de pecar e trair a minha razão, quando me voltei para a espiritualidade, mas encontrei nela o conforto de que algo, alguém ou simplesmente a aleatoriedade da vida pudesse agir ao meu favor e assim compreendi que essa mistura entre a realidade bruta e etérea sustenta a mão de obra trabalhadora por milênios. 

 

Cada ser escolhe buscar o conforto necessário para seguir onde lhe parece ter sentido mesmo que isso desafie a lógica e a razão.

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Brunna Lopes