
A linguagem inclusiva é pensada sempre na relação que existe entre língua e género. É um erro pensar apenas nessa relação porque o certo é que agora nos comunicamos em muitas línguas. Não existe grande controvérsia em dizer, portanto, que quando escrevemos, falamos ou gesticulamos numa certa língua estamos automaticamente a excluir quem não a perceba. Para falar de linguagem inclusiva há que ter em conta, então, algo aparentemente muito simples: não existe, agora, nenhuma língua que seja comum a toda a espécie. Vai haver sempre alguém que fica em risco de exclusão, ou por não falar a língua em questão ou por não a entender totalmente. Dito de forma mais directa: eu posso usar linguagem inclusiva, no que ao género diz respeito, em português. Mas quem não fale português não vai perceber nada do que eu disser, seja inclusivo ou não: essa pessoa, que não percebe português, está, logo à partida, excluída da conversa. A minha proposta é que incluamos a questão da multiplicidade das línguas que hoje existem quando falamos de linguagem inclusiva.
O certo é que pessoas que falam línguas diferentes, e tenham necessidade de falar entre si, costumam desenvolver estratégias de comunicação comuns. Uma delas é o uso de uma língua franca. O inglês como língua franca é usado, precisamente, para incluir mais gente. O seu uso pode ser considerado como inclusivo. Mas claro: para entender e fazer-se entender numa língua estrangeira é preciso aprendê-la, o que invariavelmente significa uma vantagem para quem tem uma posição de classe mais privilegiada, que concretamente pode ir do acesso a aulas particulares até à possibilidade de viajar. Além disso, um desenvolvimento saudável do intelecto está relacionado com a capacidade, e possibilidade, de pensarmos e expressar-nos na nossa língua.
Torre de Babel, imagem gerada por IA
Como funcionam, então, as nossas escolas? Um importante exemplo são as Escolas Europeias, geridas directamente pela União Europeia e baseadas neste princípio: quem vai trabalhar para uma qualquer instituição europeia tem direito a ver a sua descendência ser educada na sua própria língua. É por isso que existem 23 Escolas Europeias espalhadas por vários países, que garantem isso mesmo. Enquanto se tenta proteger, a todo o custo (literalmente), a velha e honrada Europa da bárbara invasão imigrante, os mesmos Estados-nação que não garantem um ensino à comunidade imigrante na sua língua reconhecem a importância da língua para cada povo. É para rir ou chorar?
Porque razão, então, não defendemos este modelo para a escola pública? Quem é imigrante não têm o direito a, no mínimo dos mínimos, aprender a sua própria língua? Não terá direito a aprender matemática e filosofia na sua própria língua, pelo menos!? Do que é que estamos a falar quando falamos em linguagem inclusiva? Porque razão não se pode frequentar a escola pública na língua que seja? E o que é que os sindicatos de professores têm a dizer sobre isto? Nada! Não podemos acreditar que o problema da nossa educação passe apenas e só pelo financiamento dado pela graça do Estado-Pai.
São as mudanças na sociedade que provocam mudanças na língua mas, ao mesmo tempo, as mudanças na língua (incluindo a relação que temos com a própria língua e as diferentes línguas) também podem mudar a sociedade. É por mudarmos o mundo que nos comunicamos de forma diferente. É esse movimento que muda a língua - e quando a língua muda, muda também a maneira como vemos o mundo, muda o nosso mundo, claro, porque cada língua é um mundo!