
Antes de ser mãe — e quando digo isto é mesmo até parir — tinha a certeza que es filhes é que têm de se adaptar à vida des adultes, que esta deve permanecer imutável e orientada para o trabalho, que o trabalho é o centro da vida, que o trabalho é a fonte de satisfação e concretização e o resto é adereço, pode ser fixe mas é adereço, há hobbies se sobrar tempo depois do trabalho. Contava e esperava com um regresso ao trabalho pelos 6/7 meses (salvaguardando os 6 meses de amamentação exclusiva que entretanto aos 2 meses já tinham ido pelo cano abaixo à conta da formula que tive de juntar por causa do freio curto que não foi detectado na maternidade) e voltei aos 9 a contragosto.
Criticava ferozmente es pais e mães que ousavam sair de um jantar porque es filhes estavam desconfortáveis ou com sono, que insolência, má-criação, pais reféns de um simples bebé. Achava que amamentação era só comida e que tinha horário e data de término. Os pais não podem ceder, senão es crianças e bebés manipulam porque são manhoses (e já agora se fosse mesmo verdade, manipular para nos ter por perto é assim tão mau?), não se pode ceder, assumir um engano, pedir desculpas, es pais têm de ser superiores aos filhes e só assim es podem proteger, com autoridade e hierarquia e aqui, implicitamente, está também o medo.
Os bebés dormem na sua cama, no seu quarto e ok, podemos tolerar que se partilhe o quarto uns mesitos, mas coisa pouca e só por causa do síndrome de morte súbita, têm de aprender a dormir no seu quarto e só assim serão independente, e, sobretudo, isto é para o bem da criança
Tinha a certeza de tudo isto. Nem foram necessariamente coisas que me disseram, foram coisas que fui absorvendo por viver numa sociedade adultocêntrica e que valoriza em primeiro lugar a produtividade laboral.
Estava profundamente errada.
E isso lixou-me um bocado o esquema.
O cordão é muitíssimo importante porque a maternidade não pode continuar envolta no mesmo secretismo que a maçonaria. A vida des bebés e des pais e mães seria substancialmente mais fácil se não se descobrisse tudo à força e em pleno pós-parto, ficamos sem chão assim quando precisamos é de colo.
É importante não esquecer que somos mamíferos e que há certas coisas que são inerentes à espécie, apesar da recente (para o ser humano) industrialização e do capitalismo e do apagar sistemático do instinto. Es bebés, dá-se o caso de não saberem que estão a nascer no século XXI e que es adultes vivem em prédios e trabalham 8h por dia 5 dias por semana (na melhor das hipóteses) e que há vários costumes que se foram instituindo (abolição do quarto familiar, alguma obsessão com as aparências, comida como recompensa, toda a acção deve gerar produtividade mensurável, o ócio não é para aqui chamado).
Mas há coisas que sabem e muito bem, sabe é que é um ser humano e que precisa do cuidado constante de cuidadores, às vezes porque tem fome, outras porque tem sono, outras porque tem sede, outras porque tem xixi e (muitas) outras só porque sim porque não faz bem ideia do que é que anda aqui a fazer.
O problema é que para es cuidadores estarem física e mentalmente disponíveis para o seu bebé, precisam de apoio na retaguarda — a tal da rede de apoio! — porque é fundamental cuidar de quem cuida e o que queremos não é andar à tona, queremos tudo bolas!, queremos estar mesmo bem e a curtir e estar disponíveis.
É preciso um apoio estruturado às recém famílias e – digo-o com todo o carinho – eu pastéis serão com certeza mais apreciados que um babygrow. Eu sei bem quais os melhores presentes que recebi na gravidez e pós-parto: travessas de arroz de pato e bacalhau, pastéis, sopas variadas e maravilhosas, ajuda em casa, tirar a louça da máquina ou fazer máquinas de roupa e também festinhas, o bom do cafuné.
Sinto que há uma cegueira que só deixa ver es bebés como nenucos fofos e inúteis incapazes, e por muito inocente e amoroso que isso seja eu não posso deixar de sentir que lhes retira a humanidade e consequentemente a imprevisibilidade, a complexidade e a multitude de necessidades e portanto uma pessoa fica sem saber o que fazer quando um bebé chora porque precisa somente de colo e afecto, porque de alguma forma rebuscada na sociedade contemporânea o colo acabou sendo excluído das necessidades de um bebé, se choram ou é sono, ou fome, ou fralda, ficou de fora o afecto.
E é por isso que tenho a maior felicidade em ter mudado tanto e em ser a pessoa que mais contrario na minha forma de maternar. Agora é assim, amanhã não sei, seguimos saltando de fase em fase, nada é eterno e imutável, a não ser o colo, colo sempre para sempre.