
As lutas estão em todo o lado: nos feeds bem editados, nos stories com frases feitas entre o brunch e o burnout. Há protestos convertidos em eventos sociais, hashtags vendidas como identidade, revoluções que cabem num carrossel de Instagram. Há likes, há camisolas, há tote bags com «No gods no masters» impressos a tinta vegana. E depois? Depois nada se move. Porque a visibilidade, que parece ser tudo, é muitas vezes «o fim da linha».
O Critical Art Ensemble (CAE), colectivo de artistas e activistas digitais dos anos 90, alertava no livro Desobediência Civil Electrónica que o poder já não vive nas ruas, nos parlamentos ou nas fábricas. Deslocou-se para os circuitos invisíveis da informação. Enquanto se encenam protestos nos velhos palcos, o público já abandonou. A desobediência civil tradicional perdeu força porque o poder aprendeu a antecipá-la: «O poder já sabe os passos de dança.» Hoje, essa dança circula em reels e tiktoks, com filtros e sons trendy. A revolta é espectáculo e,por isso, exige performance. A câmara está sempre ligada, e quando a câmara está ligada, a espontaneidade morre.
Vivemos cercados por muros invisíveis, aprisionados num bunker moderno, feito de normas, algoritmos, contratos, termos e condições que raramente se questionam. Mantém a vigilância constante e promove o conformismo. O CAE chama a atenção para esta nova arquitectura do controlo e propõe que a resistência não seja frontal nem visível, mas marginal, fugaz e descentralizada.
No capítulo «Resistir ao bunker», o grupo propõe uma desobediência electrónica silenciosa: uma revolução que não grita, mas que se infiltra através de gestos discretos. O sistema já sabe absorver a revolta visível, transformando-a em parte da sua própria engrenagem. Está sempre pronto a adaptarse. A resposta eficaz passa por acções que escapem ao radar – pequenas recusas que não podem ser assimiladas.
A ideia de resistência nómada surge como alternativa. Em vez de confrontos directos, são sugeridas micro-acções diárias que, embora discretas, provocam fissuras constantes no sistema. Cada escolha, por mais insignificante que pareça, torna-se uma brecha, um ponto de erosão. Quando essas escolhas se multiplicam, criam uma rede de resistência que enfraquece a estrutura do bunker. A proposta não passa por grandes actos heróicos, mas por uma persistência contínua na recusa das normas estabelecidas.
Por isso, talvez não devêssemos perguntar como ser mais visíveis. Mas sim: como é que desaparecemos bem? E depois disso: como reaparecer onde o sistema treme?
Porque talvez o desafio seja esse: reorganizar, invisibilizar a luta quando o espectáculo a neutraliza, mas também aprender a aparecer no momento certo, com outros métodos, mais eficazes e difíceis de domesticar. Talvez seja essa a arte a dominar: saber quando recuar e quando quebrar o silêncio e levantar a voz.
Madalena Simões Leitão