
Nos meses de junho e julho deste ano 2025, assinalam-se e comemoram-se a independência de meio século de Libertação de 4 hediondos séculos de jugo colonial de alguns países africanos, então ocupados e colonizados pelo Reino e República Imperial Portuguesa (Moçambique, 25/06/1975; Cabo-Verde, 05/07/1975 e São Tomé e Príncipe, 12/07/1975).
Passados meio século da Libertação, estes países, para além das condicionantes do exercício de poder pelo humano e outras tantas mais condicionantes, nomeadamente da continuidade colonial nas suas diversas formas de se fazer persistir (mais ou menos subtil), debatem-se com o desafio da eficácia da construção e constituição de uma forma de organização política, em que a sua matriz assente na cosmovisão das suas comunidades. O ideal de Libertação que guiou os seus povos constatou o corte que a presença europeia em boa parte foi forçando neste aspecto, e inconformado com esse esforço de separação, calibrou-se dele e projectou uma sociedade que se construiria e constituir-se-ia com base na especificidade e particularidade no modo de ver e estar no mundo e na vida. A verdade é que o passar dos anos, a par da de todas as ingerências internas e externas, fê-lo esmorecer. O economismo dominante, que submete o mundo e os seus recursos à exploração frenética em benefício de uma minoria, hoje vinga e molda a orientação e o modo de estar, não só das estruturas políticas enxertadas que aí governam, como a perspectiva das suas gentes, procurando instalar uma visão invertida do humano, que primazia a quantidade sobre a qualidade, o ter sobre o ser.
O desafio premente hoje, das comunidades-Estado libertas a meio século do jugo colonial, ponta de lança do Capitalismo, assim como de todas outras com passado e presente colonial, talvez seja, em primeiro passo, o de resgatar e ou reconectar-se com a sua cosmovisão, capaz de orientar a sua fixação no mundo, de emanar princípios da sua relação com a vida, consigo e com outros, e descobrir, na validade dessa outra visão de mundo, formas de afirmar sociedades cuja construção e prosperidade se estabeleça na autenticidade e independência do humano.
Na actualidade, de algum modo, no curso dos últimos acontecimentos, sobretudo a nível institucional e de algum discurso, é esse o desafio que estão a enfrentar em alguns países do chamado Sahel (região que separa o deserto do Saara das florestas tropicais da África subsaariana, que o Atlântico ao Mar Vermelho), mais concretamente no Sahel Ociental, nomeadamente no Mali, o Burkina Faso e o Níger.
O governo destes três países iniciou, nos últimos três anos, processos de transformação institucional, política e económica que se estão a distanciar da ingerência e influência do sempre persistente estado imperial e colonial francês, que colonizou a região anteriormente. Estes três países, abandonaram a Comunidade de Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CDEAO), por considerarem-na subserviente e subordinada aos interesses das potências imperiais e fundaram, em 2023, uma Organização regional - Aliança dos Estados do Sahel (AES).
O novo governo do Mali, nacionalizou as minas de ouro. No Burkina Faso, o novo governo resultante de uma junta militar com apoio popular, expulsou em Setembro de 2022, as tropas francesas presentes no país, assim como nacionalizou as minas, criou bancos públicos e preparou medidas para se desvincular da moeda colonial francesa, franco CFA. O governo tem reivindicado a tradição anti-imperialista e anticolonial de figuras históricas do pan-africanismo, como Thomas Sankara, de Burkina, e Patrice Lumumba, do Congo.
No Níger, fornecedor da maior parte da do urânio consumido em França, as medidas adoptadas têm semelhante a dos parceiros da Aliança.
Os governos destes três países, com todas as contradições, talvez estejam a dizer, que a hora talvez seja esta, a de que de novo o espírito do passado, sempre presente, de plenificar a vida, guie a marcha das comunidades a um alvorecer que em que seus mundos caibam e tenham lugar nas suas terras.
Carlos Rafael Teixeira