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QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA?

No território espanhol, mais de 5 milhões de mulheres são cuidadoras não profissionais. Segundo o Instituto da Mulher, 8 em cada 10 mulheres desempenham trabalhos de cuidado sem receber qualquer remuneração pelo mesmo.


Quando colocamos números e estatísticas em realidades já conhecidas tornamo-las contundentes, inquestionáveis e até, conseguimos construir toda uma série de argumentos contra aquelas desinformações que procuram deitar abaixo estas verdades. Mas, por vezes, os argumentos, o activismo e até, as intenções de fazer este mundo mais amável para nós, não são suficientes para quem não quer entender ou perder o privilégio.


Como fazer ver quem não quer ver? A mim, para começar, ocorre-me incomodar. Sim, incomodar. Incomodar pode-se incomodar de muitas formas. Até pode chegar a ser uma arte. Sobretudo se nos focarmos em visualizar esses incómodos que nos ocorrem, para que se veja o como e o que sentimos. Não me interpretem mal — isto não é um apelo a la "V de Vendetta".


Lembro-me de uma infinidade de vezes em que me incomodava ver a minha amiga chorar de exaustão porque o marido era “incapaz” de acordar de madrugada para dar de comer ao filho. Lembro-me de que me incomodava muitíssimo ver como os meus tios no Natal comiam quentinhos nas suas cadeiras e a minha mãe, tias, avós e primas comiam de pé e lavavam a loiça ao mesmo tempo. Lembro-me do incrível e incómodo que era ter de justificar ao meu companheiro uma série de 15 razões de forma cuidadosa e respeitosa pelas que sinto que não sou valorizada na minha relação e que me respondesse com um: - “não sei o que te diga”, deixando-me outra série de 15 incertezas para gerir sozinha.


Lembro-me do incrivelmente incómodo que lhe parecia à minha mãe quando o meu pai não se lembrava de um único aniversário ou duma consulta da minha irmã mais nova. Lembro-me, agora mesmo, do incómodo que é ouvir como alguns homens pedem a mulheres femininas que saibam cuidar, como se a feminidade fosse uma só mulher protótipa e os cuidados devessem ser inerentes à feminidade.


Isto, nem mais nem menos, traduz-se em falta de cuidados. Uns cuidados com os quais as mulheres fomos educadas e socializadas, na sua generalidade, porque lembro-vos que 8 em cada 10 mulheres exercemos trabalhos de cuidados sem receber. E se lhe damos a volta, sim, há mulheres que não cuidam nem querem claro que há homens que cuidam mas nem se comparam em número.


Com este artigo não incito a dar-lhe a volta à questão e fazer o papel de vingadora. Este artigo fala de visibilizar as coisas incómodas e a ausência de quem cuida das que cuidam.


O que incomoda sacode-nos, faz-nos mudar de lugar ou de estado de espírito. E ocorre-me pensar que os cuidados vão muito além de fazer comida à tua criança ou lembrar o teu companheiro de tomar a medicação. Os cuidados são colectivos. Movem o mundo e não deveriam ser uma utopia nem relegados a percentagens. O problema que vejo aqui é que os cuidados normalizam-se nas mulheres e premeiam-se nos homens.

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Marieta Linares Montero