
No filme The Yentl, de 1983, Barbara Streisand encarna uma jovem judia na Polónia que se faz passar por um homem para poder estudar. A premissa do filme teve um forte impacto na tradição médica, tanto, que propiciou a criação do chamado Síndrome de Yentl. Este síndrome descreve o fenómeno segundo o qual as mulheres e os corpos femininos recebem diagnósticos e tratamentos erróneos a menos que os sintomas ou doenças que sofrem coincidam com os dos homens e corpos masculinos. Este tipo de problemas baseados no sistema sexo-género são produtos de um sistema médico que discrimina sistematicamente estas pessoas e deixa-as sentirem-se incompreendidas e mal diagnosticadas. Infelizmente, esta falta de atenção traduz-se em falta de dinheiro e de recursos para investigação e em certas ocasiões, isto pode chegar a ser mortal.
Para a medicina moderna, assumiu-se que para além do tamanho e da função reprodutiva, não havia nenhuma diferença entre os corpos masculino e feminino, considerando o corpo masculino como a norma e tudo o que lhe escapava considerava-se atípico ou anormal. Nas escolas de medicina, tradicionalmente estudou-se fisiologia normal e fisiologia feminina, anatomia normal e anatomia feminina. Como disse Carol Tavris, em 1992, de forma tristemente certeira: “o corpo masculino é a anatomia em si”.
Segundo um estudo realizado pela plataforma Sink em 2008 sobre livros de texto médicos recomendados e utilizados pelas faculdades de medicina nos países ocidentais, o corpo masculino utilizava-se quase três vezes mais que o feminino para representar partes do corpo neutrais. Estes livros nem sequer tinham acrescentado informação específica de cada sexo mesmo em temas ou secções onde as diferenças entre os corpos masculino e feminino tinham sido demonstradas. Como por exemplo a depressão, os efeitos do álcool no corpo, o funcionamento mecânico fundamental do coração, a capacidade pulmonar, etc. Então, se já foi demonstrada a existência destas diferenças a nível anatómico e também fisiológico, porque está o corpo feminino tão pouco representado nos manuais? Esta exclusão sistemática dos ensaios clínicos faz com que os efeitos dos medicamentos ou das doenças sejam pouco previsíveis nas mulheres e nos corpos femininos e menos ainda em grávidas.
Têm existido algumas tentativas de obrigar os investigadores a representar adequadamente as mulheres e os corpos femininos na investigação médica. Desde 1993, nos Estados Unidos, é ilegal não incluir mulheres e corpos femininos em ensaios clínicos financiados com fundos públicos federais. Da mesma forma, a Sociedade Alemã de Epidemiologia obriga à justificação do uso de um só sexo em qualquer estudo realizado. Além disso, várias revistas científicas insistem que os seus artigos devem proporcionar informação sobre o sexo dos sujeitos em qualquer ensaio clínico. Estes são avanços numa boa direcção, embora fiquem lacunas por resolver, já que em geral os estudos realizados por empresas privadas não têm nenhum estímulo para incluir o sexo nas suas análises.
Por exemplo: se fizermos uma pesquisa rápida na internet ou perguntarmos a pessoas ao acaso qual é a sua imagem duma pessoa a sofrer um enfarte do miocárdio, a resposta mais provável será a de um homem, de meia-idade, possivelmente com algum excesso de peso, a agarrar-se ao peito e perto do coração enquanto se retorce com dores, talvez com formigueiros ou dores num dos braços. É pouco provável que a imagem evocada seja a de uma mulher. Segundo o imaginário colectivo, o infarto é algo masculino. No entanto, no caso de infartos, estes sintomas aparecem apenas numa em cada oito fêmeas, especialmente se forem jovens.
Os sintomas típicos que uma mulher sente ao sofrer um infarto são dor de estômago, falta de ar, náuseas e fadiga, entre outros. Nos manuais de medicina, estes sintomas costumam aparecer descritos como atípicos ou pouco prováveis, o que pode conduzir a uma subvalorização do risco associado a esta forma de manifestação dos sintomas nas fêmeas. Talvez esta subvalorização ajude a explicar por que razão um estudo realizado nos Estados Unidos em 2005, por Insung Jung, revelou que apenas um em cada cinco médicos de várias especialidades sabia que, todos os anos, morrem mais mulheres e corpos femininos do que homens e corpos masculinos devido a doenças cardiovasculares.